#10 | Lobistas e contratos de publicidade
Uma newsletter sobre jornalismo investigativo baseada em dados do projeto CruzaGrafos e em investigações brasileiras
Olá! Bem-vindas e bem-vindos.
Meu nome é Eduardo Goulart de Andrade* e esta é mais uma edição da Investigadora. Hoje, falaremos sobre uma matéria d'O Globo que tratou de um suposto caso de lobby envolvendo um filho do presidente Jair Bolsonaro. Também abordaremos uma série de reportagens do Farolete que investigou contratos de publicidade da prefeitura de Ribeirão Preto. Já a Dica da Semana traz alguns recursos para você investigar lobistas.
Se esta é a sua primeira vez por aqui, sinta-se em casa. Esta é uma newsletter sobre jornalismo investigativo baseada em dados do projeto CruzaGrafos – parceria da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) e do Brasil.IO, com o apoio da Google News Initiative.
As bases de dados do projeto não têm avaliação de mérito. Indícios de condutas ilícitas devem ser checados com fontes e mais informações. Além disso, o fato de qualquer pessoa ser investigada não significa que ela seja culpada. Todos os dados devem ser checados, incluindo os políticos e empresas citados. Também é preciso ficar atento a pessoas e empresas homônimas.
Você pode ler mais sobre o projeto aqui. Preparamos um guia escrito, um vídeo tutorial com legendas em português, inglês e espanhol, além de uma web stories.
O CruzaGrafos conta ainda com um programa de treinamentos voltado para redações, grupos de freelancers, universidades e organizações do terceiro setor ligadas à educação e à transparência de dados. Já fizemos o treinamento com jornalistas do Correio, da Bahia, e do Globoesporte, do Rio de Janeiro. Semana que vem, estamos com uma turma de alunos e professores de pós-graduação de universidades públicas (UFPR, UFCA e UFC).
O CruzaGrafos é aberto a todos os associados da Abraji. Para não associados, clique aqui. Quem quiser fazer parte da Abraji, pode ver os passos neste link. E aqui dá para apoiar o Brasil.IO.
Boa leitura!
Mi casa, su casa
Em sua última matéria assinada como repórter d'O Globo, o jornalista Pedro Capetti mostrou como Jair Renan, filho do presidente Bolsonaro, atuou como suposto lobista de um grupo empresarial do setor de mineração. Segundo a reportagem, representantes da Gramazini Granitos e Mármores Thomazini conseguiram se reunir com o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, para falar sobre um projeto de construção de casas populares. E o "Zero Quatro", claro, também participou do encontro em novembro passado. Detalhe: um mês antes da reunião, Jair Renan ganhou um carro avaliado em R$ 90 mil do grupo Thomazini.
Jair Renan tem uma empresa de eventos que funciona em um camarote no estádio Mané Garrincha, em Brasília. "Há vídeos nas redes sociais que mostram a doação do veículo para Jair Renan e Allan Lucena, subsecretário de Programas e Incentivos Econômicos do Distrito Federal — além do cargo no governo, Lucena está à frente de um instituto que divide o espaço do camarote com a firma de Jair Renan", Capetti escreveu na matéria.
Empresas da família Thomazini receberam benefícios fiscais e autorizações para exploração mineral. "Um levantamento no Diário Oficial da União mostra também que, só em 2021, o grupo, composto por 17 mineradoras, já recebeu pelo menos 15 autorizações da Agência Nacional de Mineração (ANM) para prospectar novas áreas", informou Capetti no texto. Duas dicas: também é possível levantar esse tipo de dado por meio da LAI ou, ainda, no próprio site da ANM.
Para fazer essa apuração, Capetti conta que o CruzaGrafos foi uma ferramenta essencial. "A partir dela, consegui entender a rede que ligava a Gramazini e seus sócios no ramo de mineração. Era algo muito mais amplo do que eu imaginei quando comecei a apurar. Isso foi bem importante para começar a levantar os processos que a empresa vinha ganhando nos últimos meses, como as autorizações para pesquisas em novas áreas."
#PraCegoVer: print do CruzaGrafos mostra 13 empresas da família Thomazini. A maioria delas é ligada ao setor de mineração.
A reunião de representantes do grupo Thomazini no ministério do Desenvolvimento Regional já havia sido publicada pela revista Veja em novembro. O encontro não constava na agenda pública do ministro. Por isso, Capetti checou essa informação a partir de um pedido de LAI.
O jornalista também descobriu que a Gramazini Granitos e Mármores Thomazini recebe, desde setembro de 2019, um benefício fiscal da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene). Com a benesse, a empresa tem um desconto de 75% do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ). Segundo a reportagem, a isenção é válida até 2028.
E pelo mimo de R$ 90 mil, Jair Renan está sendo investigado pela PF por possível tráfico de influência e lavagem de dinheiro. Mais uma investigação que envolve um membro do clã Bolsonaro.
Pente-fino em gastos com publicidade
Em 2019, o jornalista Cristiano Pavini pediu demissão do jornal A Cidade, de Ribeirão Preto (SP), para trabalhar com o terceiro setor. Mas a abstinência da reportagem bateu forte. Por isso, decidiu lançar o site Farolete. A iniciativa é completamente independente e Pavini faz toda a produção do veículo. Inclusive, ele teve de aprender a criar layouts no WordPress para viabilizar o portal. Graças a uma campanha de financiamento coletivo, o jornalista consegue publicar duas reportagens por mês.
#PraCegoVer: imagem da home do Farolete. Em destaque, uma notícia sobre a "teia da publicidade" que envolve a prefeitura de Ribeirão Preto.
Em quase um ano e meio de apuração, Pavini se debruçou nos gastos da prefeitura de Ribeirão Preto com publicidade. Segundo o jornalista, a ideia era descobrir se os recursos eram aplicados em campanhas institucionais, como no combate à dengue, ou na autopromoção governamental.
Antes mesmo de lançar o Farolete, ele fez um pedido de LAI, em maio de 2019, que se tornou o pontapé inicial dessa investigação. O jornalista solicitou no e-SIC do município acesso à íntegra de todos os relatórios de gastos relacionados a um contrato que a prefeitura tem com a empresa de publicidade Versão Br. Segundo Pavini, pedidos e respostas de terceiros não estão disponíveis para consulta no site de Ribeirão Preto.
"Para fazer o requerimento, li na íntegra o edital de licitação para saber quais os objetos do contrato. Como resposta, a prefeitura apenas disse que todas as informações estavam disponíveis no Portal de Transparência (o que não era verdade). Acabei não ingressando com recurso", detalha Pavini.
No final de 2019, ele fez o mesmo pedido de LAI. Novamente, sem sucesso. Mas desta vez entrou com recurso em primeira instância e conseguiu ter acesso a todos os documentos físicos relacionados ao contrato de publicidade. Durante quatro dias, o jornalista foi à prefeitura para fuçar em pastas e caixas com a documentação. "Acredito que analisei cerca de 10 mil folhas, com todos os serviços prestados no âmbito do contrato nos últimos três anos", afirma Pavini.
O jornalista fez mais uma série de pedidos de LAI. Entre outros objetivos, queria ter acesso aos arquivos digitais das notas fiscais eletrônicas. Isso facilitaria a análise para descobrir se a agência de publicidade estava subcontratando outras empresas. As solicitações foram negadas.
O jeito foi requisitar novamente o acesso aos documentos físicos, no fim de 2020, mas desta vez acrescentando que precisaria de autorização para fazer cópias de mídias anexadas no material, como CDs. "Fui autorizado e, por mais dois dias, repeti o processo de analisar as notas fiscais emitidas, agora fazendo cópia no meu computador", explica Pavini. Como resultado da apuração, o jornalista publicou três reportagens.
A primeira delas, de 21 de fevereiro, mostrou que o prefeito Duarte Nogueira (PSDB) gastou R$ 19,3 milhões em contratos de publicidade em três anos. Para esta reportagem, o jornalista conta que baixou todos os arquivos com empenhos, liquidações e pagamentos do município de Ribeirão Preto no Tribunal de Contas do Estado, entre 2017 e 2020. Então, ele consolidou os dados em uma única planilha e filtrou os recursos destinados à publicidade e propaganda nesse período.
"Em seguida, com uso do recurso da Tabela Dinâmica, realizei uma pesquisa exploratória em ações, subfunções e programas que tinham valor equivalente nesse período, para que eu pudesse comparar. Por exemplo: foi gasto mais com publicidade do que para a EJA (Educação de Jovens e Adultos), considerando apenas os recursos municipais (sem incluir transferências do Governo Federal, pois filtrei pela origem da verba)."
Três dias depois da publicação da primeira matéria, Pavini revelou em outra reportagem que parte do dinheiro gasto com publicidade, na verdade, era destinado a pesquisas de opinião. Candidato à reeleição municipal, Duarte Nogueira gastou R$ 1,3 milhão dos cofres da prefeitura para realizar 24 pesquisas "que mediram a percepção do ribeirão-pretano nas mais diversas áreas, inclusive a popularidade do Executivo".
Por fim, no início de março, Pavini publicou a última reportagem da série. Nela, o jornalista mostra que uma empresa de um assessor de Duarte Nogueira foi subcontratada para fazer campanhas de publicidade para a prefeitura. "Imaginei que as relações ficariam melhor escancaradas com um gráfico, e não apenas texto. Então produzi, por conta, uma animação mostrando a 'Teia da Publicidade'. Utilizei o programa VideoScribe."
Pavini explica que também usou o CruzaGrafos na apuração. Você pode conferir aqui as empresas de dois dos personagens centrais da última matéria, os sócios San Devid Marinho Silveira e Ary Engracia Neto, que trabalharam na campanha de reeleição de Duarte Nogueira.
Dica da Semana
A agenda de autoridades é uma grande aliada para mapear possíveis lobistas. Procure por ela no site do ministério, da secretaria ou do órgão desejado.
Outra estratégia importante é a LAI. Solicite registros de portaria com entrada e saída de prédios públicos. Aqui vai uma sugestão de um pedido que costumo fazer:
Prezados, com base na Lei de Acesso à Informação, solicito que seja informado se o nome de "Fulano de Tal" (CPF: xxx.xxx.xxx-xx) consta nos registros de entrada do Palácio do Planalto, de 01/01/2018 até a presente data. Na resposta, por gentileza, informar: 1) datas e horários da entrada; 2) gabinete que visitou e 3) agenda que indicou na recepção para ter o aval para a entrada. Se não for da competência deste órgão, solicito que o pedido de informação seja encaminhado aos responsáveis. Caso exista sigilo no pedido mencionado, favor informar o nível do sigilo, a autoridade que o impôs e o intervalo temporal do sigilo – como determina a legislação. Grato.
Vale acrescentar que nem sempre você vai ter o número do CPF da pessoa investigada. No entanto, essa informação é importante para evitar homônimos.
"As redes sociais também ajudam a encontrar proximidade entre as pessoas no dia a dia, principalmente entre as pessoas que desejam mostrar alguma proximidade com o 'Poder'. O cruzamento dessas duas fontes [informações públicas e redes sociais] é bem poderoso", aconselha Pedro Capetti.
Sobre pedidos de LAI relacionados a registros de portaria, órgãos governamentais têm usado a justificativa da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) para negar solicitações. Quando isso ocorreu comigo, entrei com o seguinte recurso:
"Prezados, parecer da CGU emitido depois da vigência da LGPD (08198.030972/2020-22) ‘indica que o controle de acesso às dependências de um órgão público não configura informação pessoal, ainda que os visitantes não sejam servidores ou estejam a serviço da administração pública'. Portanto, mantenho o pedido inicial."
*Eduardo Goulart de Andrade trabalha profissionalmente com jornalismo há 14 anos. Foi repórter e produtor da TV Brasil e já publicou em diversos veículos, como The Intercept Brasil e InfoAmazonia. Desde 2018, tem focado suas reportagens na interseção entre jornalismo investigativo, jornalismo de dados e técnicas de OSINT.
Ficou com alguma dúvida? Quer saber sobre os bastidores de uma determinada reportagem ou aprender mais sobre alguma ferramenta? Vem com a gente: cruzagrafos@abraji.org.br.
Para ler as edições passadas da Investigadora, clique aqui. Por hoje, é só. Até semana que vem!
O que você achou desta edição da Investigadora?
>> Divulgue a Investigadora: encaminhe a newsletter para seus amigos e compartilhe os conteúdos nas suas redes sociais.