#15 | Orçamento público
Uma newsletter sobre jornalismo investigativo baseada em dados do projeto CruzaGrafos e em investigações brasileiras
Olá! Bem-vindas e bem-vindos.
Meu nome é Eduardo Goulart de Andrade* e esta é mais uma edição da Investigadora. Hoje, falaremos sobre a reportagem que revelou que uma universidade privada usa dinheiro público na formação de missionários que evangelizam indígenas. Também vamos abordar uma investigação que mostrou que o programa Pátria Voluntária, de Michelle Bolsonaro, gasta mais com publicidade do que com doações. Já a Dica da Semana traz exemplos de como se aprofundar em gastos públicos.
E uma novidade: a partir de hoje, a Investigadora se torna uma newsletter quinzenal. Assim, teremos mais tempo para preparar edições cada vez mais caprichadas para você – cara leitora, caro leitor.
A Investigadora é gratuita. Mas, se você gosta dela, contribua financeiramente com o nosso trabalho. No final de cada edição, você encontra um QR Code e uma chave aleatória para pagar via Pix. É fácil, rápido e você pode doar o quanto quiser!
Se esta é a sua primeira vez por aqui, sinta-se em casa. Esta é uma newsletter sobre jornalismo investigativo baseada em dados do projeto CruzaGrafos – parceria da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) e do Brasil.IO, com o apoio da Google News Initiative.
As bases de dados do projeto não têm avaliação de mérito. Indícios de condutas ilícitas devem ser checados com fontes e mais informações. Além disso, o fato de qualquer pessoa ser investigada não significa que ela seja culpada. Todos os dados devem ser checados, incluindo os políticos e empresas citados. Também é preciso ficar atento a pessoas e empresas homônimas.
Você pode ler mais sobre o projeto aqui. Preparamos um guia escrito, um vídeo tutorial com legendas em português, inglês e espanhol, além de uma web stories.
O CruzaGrafos, que foi indicado semana passada como shorlist (finalista) do Sigma Awards 2021, conta ainda com um programa de treinamentos voltado para redações, grupos de freelancers, universidades e organizações do terceiro setor ligadas à educação e à transparência de dados. Já fizemos o treinamento com jornalistas do Correio, da Bahia, do Globoesporte, do Rio de Janeiro, e com uma turma de alunos e professores de pós-graduação de universidades públicas (UFPR, UFCA e UFC). Em breve, será a vez de estudantes da UFF, UFSC e da UFPA, além das redações do Correio de Carajás, da cidade paraense de Marabá, e do Matinal Jornalismo, de Porto Alegre.
O CruzaGrafos é aberto a todos os associados da Abraji. Para não associados, clique aqui. Quem quiser fazer parte da Abraji, pode ver os passos neste link. E aqui dá para apoiar o Brasil.IO.
Boa leitura!
O evangelho segundo os universitários
Os repórteres Fernanda Wenzel e Pedro Papini foram pautados pelo The Intercept Brasil para investigar possíveis histórias sobre missionários na Amazônia. A suspeita era a de que entidades missionárias pudessem estar mais atuantes em territórios indígenas. "Além de conversar com indigenistas e lideranças indígenas dos territórios mais cobiçados pelos missionários, como os Zo'é e o Vale do Javari, eu decidi investigar as entidades que haviam recebido dinheiro do programa Pátria Voluntária, liderado pela primeira-dama Michelle Bolsonaro", conta Wenzel.
A Folha de S.Paulo já havia revelado, em setembro, que o Instituto Missional era o maior beneficiado pelo Pátria Voluntária – tendo embolsado R$ 392 mil do programa. "Foi aí que descobri a existência da UniMissional e o fato de que esta entidade ficava dentro da UniCesumar, uma das maiores universidades privadas do Paraná. Obviamente, isso tudo soou muito estranho: uma entidade de formação de missionários dentro de uma universidade? Conversei com o editor do TIB, o Rafael Moro, e juntos decidimos seguir neste caminho de investigação", detalha Wenzel.
Na matéria publicada em fevereiro deste ano, Wenzel e Papini contam que é possível estudar na universidade, com direito à moradia e à alimentação, pagando menos de R$ 2,5 mil por mês. Mas com uma condição. "Além de estudar o que quiser – direito, enfermagem, jornalismo, à sua escolha, entre os mais de 200 cursos oferecidos pela UniCesumar –, você também será instruído para atuar como missionário. As exceções são os cursos de medicina e odontologia, que exigem dedicação exclusiva em período integral", escreveram na reportagem.
"Quando definimos que o foco seria o grupo da UniCesumar e financiamento federal, voltamos a atenção para dados do ProUni e de repasses do Fies. Também utilizamos dados do Censo Escolar 2020 para encontrar o número total de alunos da instituição, seus polos EAD, entre outras informações", indica Papini.
Os jornalistas apuraram que a UniCesumar recebeu R$ 32,6 milhões do Fies, programa federal que financia cursos de graduação em universidades particulares. Além disso, os repórteres também mostraram que um anúncio de Facebook encorajava os bolsistas do Prouni a se juntarem à UniMissional, tendo a UniCesumar como porta de entrada.
No CruzaGrafos, é possível ver os sócios da UniCesumar.
#PraCegoVer: gráfico da plataforma da Abraji e do Brasil.io mostra que duas empresas e 11 pessoas são sócias da UniCesumar
No quadro societário da UniCesumar, aparece a empresa Heritage Administração e Participações Ltda. Ao analisar os sócios desta companhia, vemos o nome de Wilson de Matos Silva. Ele é o reitor e fundador da universidade. Inclusive, segundo a reportagem do Intercept, o empresário chegou a ser cotado para assumir o ministério da Educação do governo Bolsonaro.
#PraCegoVer: CruzaGrafos apresenta a ligação entre Wilson de Matos Silva e a UniCesumar
A princípio, os repórteres que assinaram a matéria do TIB pretendiam revelar quanto a UniCesumar recebera de isenção fiscal por meio do ProUni. Mas encontraram dificuldades para chegar nessas informações. "Não é um dado que fica disponível no Portal da Transparência, como o Fies, já que não é um gasto federal", explica Papini. "Tentamos contato com a assessoria de imprensa do TCU, que talvez detenha os dados, mas não obtivemos retorno. Acabamos não solicitando via LAI porque não daria tempo até o fechamento da matéria."
Se você quer investigar o uso de recursos públicos em programas governamentais, Wenzel recomenda que a primeira coisa a fazer é ter em mente a pergunta central que a reportagem pretende responder. "No nosso caso, a pergunta era: o governo pode estar financiando este grupo de formação de missionários através da UniCesumar? A partir daí, é importante conversar com quem entende do assunto investigado para ver quais os pontos de conexão deste tema com os programas governamentais. No nosso caso, era Educação e Ensino Superior, o que nos levou a investigar Prouni e Fies. Acho que ter estas perguntas respondidas antes de iniciar o levantamento de dados em si pode poupar muito tempo na investigação."
Propaganda, a alma do negócio
O Pátria Voluntária também serviu de matéria-prima para esta reportagem publicada no Estadão em abril. O repórter André Shalders descobriu que o programa, coordenado pela primeira-dama Michelle Bolsonaro, gastou mais dinheiro com publicidade do que com doações.
"Até março deste ano, o governo empregou R$ 9,3 milhões para divulgar o Pátria. Foram R$ 9,039 milhões em publicidade e mais R$ 359 mil para manter no ar o site do programa. Já as doações feitas por empresas privadas e pessoas físicas que o programa repassou às entidades que atendem pessoas carentes estão em R$ 5,89 milhões. A maior parte foi transformada em cestas básicas. O programa parou no momento em que mais da metade dos domicílios brasileiros enfrentam algum grau de insegurança alimentar em consequência da pandemia da covid-19", escreveu o jornalista na matéria.
Para chegar a essas informações, Shalders conta que levantou os dados do Pátria Voluntária neste site. Já os gastos com publicidade foram obtidos na Secretaria Especial de Comunicação Social (Secom). "A gente baixou os dados da Secom em CSV e fez análise no Excel mesmo. Inclusive, se você for lá nesse site da Secom e jogar Pátria Voluntária, vai aparecer os contratos mas não vai aparecer os valores. Os valores só aparecem depois que você baixa os dados", alerta o repórter.
#PraCegoVer: print da página da Secom apresenta informações sobre os pagamentos efetuados às empresas com contratos firmados com a secretaria
O jornalista também pesquisou por pedidos de LAI que constam nesta base de dados da Controladoria-Geral da União (CGU). "O que a gente usou a partir dessa busca de pedidos na CGU foram as atas das reuniões do conselho do programa [Pátria Voluntária] que estavam lá. Alguém já tinha feito esse pedido anteriormente. Foi um material importante para saber a dinâmica de como era o funcionamento do programa."
Shalders tem uma dica para você que quer aprender mais sobre orçamento público, fundamental para investigar gastos governamentais com mais propriedade. "Aprenda a mexer no Siga Brasil, para além daquele painel de pesquisa pronta. E aprenda a questão do orçamento – que não é trivial, é complexo. Você tem que conhecer o jargão, conhecer a mecânica deles." Para se aprofundar nesse tema, o jornalista recomenda os cursos gratuitos da Escola Nacional de Administração Pública (ENAP).
Dica da Semana
O curso “No rastro digital do dinheiro público: Como fiscalizar gastos da União, Estados e Municípios”, do Knight Center e da Associação Contas Abertas, também ajuda a jogar luz sobre o orçamento. Nele, você vai descobrir bases de dados que podem te auxiliar na cobertura do tema.
E o Manual GPI 2020, desenvolvido pelo Projor e pelo Insper, apresenta textos sobre políticas públicas, transparência e legislação eleitoral. O guia contém a plataforma Raio-X dos Municípios, que reúne dados sobre educação, saúde, habitação, meio ambiente, mobilidade, segurança e orçamento de cada cidade do Brasil.
E mais uma coisinha: vale muito navegar e conhecer os finalistas do Sigma Awards 2021, que é o maior prêmio de jornalismo de dados do mundo. Só do Brasil são 11 indicados, incluindo o CruzaGrafos.
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*Eduardo Goulart de Andrade trabalha profissionalmente com jornalismo há 14 anos. Foi repórter da TV Brasil e já publicou em diversos veículos, como The Intercept Brasil e InfoAmazonia. Desde 2018, tem focado suas reportagens na interseção entre jornalismo investigativo, jornalismo de dados e técnicas de OSINT.
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