#17 | A falta de equipamentos e insumos durante a pandemia
Uma newsletter sobre jornalismo investigativo baseada em dados do projeto CruzaGrafos e em investigações brasileiras
Olá! Bem-vindas e bem-vindos.
Meu nome é Eduardo Goulart de Andrade* e esta é mais uma edição da Investigadora. Hoje, falaremos sobre uma reportagem premiada que revelou como os estados compraram (e não receberam) respiradores pulmonares durante a pandemia. Também vamos abordar um levantamento que mostrou o risco da falta de oxigênio para pacientes do Ceará. Já a Dica da Semana traz exemplos de como extrair informações de arquivos em PDF.
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Se esta é a sua primeira vez por aqui, sinta-se em casa. Esta é uma newsletter sobre jornalismo investigativo baseada em dados do projeto CruzaGrafos – parceria da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) e do Brasil.IO, com o apoio da Google News Initiative.
As bases de dados do projeto não têm avaliação de mérito. Indícios de condutas ilícitas devem ser checados com fontes e mais informações. Além disso, o fato de qualquer pessoa ser investigada não significa que ela seja culpada. Todos os dados devem ser checados, incluindo os políticos e empresas citados. Também é preciso ficar atento a pessoas e empresas homônimas.
Você pode ler mais sobre o projeto aqui. Preparamos um guia escrito, um vídeo tutorial com legendas em português, inglês e espanhol, além de uma web stories.
O CruzaGrafos, que foi indicado como shorlist (finalista) do Sigma Awards 2021, conta ainda com um programa de treinamentos voltado para redações, grupos de freelancers, universidades e organizações do terceiro setor ligadas à educação e à transparência de dados. Já fizemos o treinamento com jornalistas do Correio, da Bahia, do Globoesporte, do Rio de Janeiro, do Correio de Carajás, da cidade paraense de Marabá, e do Matinal Jornalismo, da capital gaúcha. Além disso, também tivemos turmas de alunos e professores de graduação e pós-graduação de diversas universidades públicas (UFPR, UFCA, UFC, UFF, UFPA e UFSM). Em breve, será a vez de um grupo de freelancers também do Rio Grande do Sul. E ainda estamos com inscrições abertas, até 11 de junho, para freelancers de todo o Brasil que queiram participar do treinamento.
O CruzaGrafos está disponível para todos os associados da Abraji. Para não associados, clique aqui. Quem quiser fazer parte da Abraji, pode ver os passos neste link. E aqui dá para apoiar o Brasil.IO.
Boa leitura!
Respiradores sob suspeita
Em junho do ano passado, um levantamento do G1 revelou que os estados compraram 6.998 respiradores pulmonares durante a pandemia, mas menos da metade havia sido entregue até aquele momento. Os autores da reportagem – Gabriela Caesar, Thiago Reis e Clara Velasco – venceram o prêmio ICFJ Global Health Crisis Reporting Forum, na categoria "Transparência, Crime e Corrupção" para trabalhos em português. Além disso, a matéria foi finalista da última edição do Prêmio Cláudio Weber Abramo de Jornalismo de Dados.
A ideia da pauta surgiu quando Caesar cobria um colega do Fato ou Fake que estava em férias. Pelo celular da redação, ela recebeu uma série de pedidos de checagem e percebeu que muita gente enviava uma comparação com supostos preços pagos por governadores pela compra de ventiladores pulmonares. "Não havia fonte desses dados nem nada. E as pessoas estavam interessadas, pois aquela foto viralizou", conta a jornalista.
Na reunião de pauta, Caesar sugeriu uma força-tarefa. Cada um dos autores da matéria ficou responsável por nove Unidades da Federação. "Para levantar os dados, cada jornalista registrou um pedido de Lei de Acesso à Informação no seu respectivo estado e também entrou em contato com a assessoria de imprensa da Secretaria Estadual de Saúde. A ideia é sempre ter um retorno dos dois porque, assim, conseguimos comparar os dados e, se necessário, questionar alguma divergência", detalha Caesar.
"Nossas principais perguntas eram: quantos respiradores foram comprados, quantos foram entregues, qual foi o total gasto, qual é valor médio unitário, de qual empresa comprou os respiradores e se há investigação do MP." Além disso, eles também entraram em contato com as assessorias de imprensa de cada Ministério Público, para apurar investigações que estavam em curso, e ainda entrevistaram especialistas.
Caesar diz que, antes do início da apuração, eles procuraram o Ministério da Saúde para saber se havia alguma base de dados sobre compra de respiradores por estados e municípios. "Eles disseram que tinham esses dados apenas quanto às compras pelo governo federal. Se o governo federal consolidasse esses dados e tivesse uma articulação efetiva com estados e municípios, muito esforço já seria poupado naquele momento", avalia a repórter.
Na investigação, a equipe do G1 percebeu que a diferença de preços dos respiradores era imensa. Segundo a matéria, o valor de cada aparelho variava de R$ 40 mil a R$ 226 mil.
Os jornalistas também mostraram que, na maioria dos estados, a compra de respiradores era apurada pelo Ministério Público de Contas. No Rio de Janeiro, o Tribunal de Contas do Estado apontou que houve superfaturamento em três contratos que somaram R$ 184 milhões. Na época, o governo fluminense havia comprado mil respiradores de três empresas – Arc Fontoura, MHS Produtos e A2A Comércio –, mas apenas 52 aparelhos foram entregues até a publicação da reportagem.
No CruzaGrafos, é possível ver que Carlos Eduardo de Mello Silva e Cinthya Silva Neumann são sócios da empresa Arc Fontoura.
#PraCegoVer: além do gráfico com os nomes da empresa e dos proprietários, a plataforma da Abraji e do Brasil.io mostra também o CNPJ da Arc Fontoura: 16.599.555/0002-12
Se você tem interesse em investigar compras feitas pela administração pública durante a pandemia, Caesar traz algumas dicas preciosas. "Organize-se, consulte o que já foi pedido por outras pessoas via LAI (a CGU tem uma busca para isso), converse com especialistas e formule pedidos de Lei de Acesso à Informação. E faça isso não só para o governo federal, mas também a estados, municípios, Tribunais de Justiça, Conselhos Regionais de Medicina, universidades e vários outros órgãos e entidades que são obrigados a ter esse espaço muito útil e democrático."
Ela também ressalta que muitos desses dados já estão disponíveis em sites do poder público, por causa da transparência ativa. Assim, dependendo do caso, nem é preciso entrar com LAI. Por fim, Caesar tem outra sugestão: acompanhe quem está de olho no tema. "Uma ótima iniciativa de transparência pública é o trabalho do Fiquem Sabendo, que dá várias dicas para você formular um bom pedido e também faz pedidos com regularidade e disponibiliza os dados para reportagens."
Falta oxigênio
A jornalista Gabriela Custódio, repórter de Cotidiano do jornal cearense O Povo, foi pautada para fazer uma matéria sobre a disponibilidade de oxigênio hospitalar em algumas cidades do estado, num momento em que havia o temor de desabastecimento do insumo em diferentes municípios. Então, ela entrou em contato com a editora-chefe do Data.doc – Núcleo de Jornalismo de Dados do veículo –, Thays Lavor, que também é diretora da Abraji. A dupla fez uma investigação que revelou, em reportagem publicada em abril, que cerca de 3,4 milhões de pessoas vivem em locais sem infraestrutura para oxigênio e com incidência altíssima para Covid-19 no Ceará.
#PraCegoVer: print de uma visualização de dados feita pela equipe d'O Povo. Um gráfico de barras, interativo, traz dados com nome de municípios, IDH municipal, população e classificação de incidência para Covid-19
A matéria também aponta que Fortaleza concentra 41% da infraestrutura de oxigênio hospitalar do estado. As jornalistas levaram três semanas entre a apuração e a escrita da reportagem.
Lavor conta que elas usaram dados do Cadastro Nacional dos Estabelecimentos de Saúde (CNES), informações sobre Covid-19 do IntegraSus, da Secretaria da Saúde do Estado do Ceará, e IDH municipal (IDHm). "Nós fizemos uma investigação guiada por dados, cruzando diferentes bases públicas, indicadores de saúde, além da pesquisa de legislações do setor da saúde. Para o tratamento e análise dos dados usamos a linguagem de programação R, especificamente o pacote Dplyr. Para visualização dos dados, usamos o Flourish. Também usamos o Google Earth para conferir se as unidades de saúde que estavam na nossa amostra realmente possuíam em seu terreno a infraestrutura de oxigênio registrada no CNES", detalha Lavor. Os dados utilizados na matéria estão disponíveis para os leitores do jornal. Você também pode acessá-los aqui.
"Com dados da infraestrutura de oxigênio hospitalar disponível no CNES, que lá é apontada como 'usina de oxigênio', busquei a assessoria de imprensa da secretaria da saúde do Estado para mais informações sobre alguns hospitais específicos, mas nos deparamos com um impasse que mudou a ideia inicial da pauta", diz Custódio.
Segundo a repórter, essa mudança de rumo da investigação veio porque nem todas as unidades de saúde tinham usina de oxigênio, conforme é informado no CNES, mas sim cilindros ou tanques que são abastecidos por empresas. "Um exemplo da situação que encontramos nessa apuração: em Fortaleza, o CNES aponta que seis Unidades de Pronto Atendimento (UPA) contam com 'usinas de oxigênio', mas, na realidade, apenas três delas — Edson Queiroz, Vila Velha e Bom Jardim — possuem equipamentos que se enquadram nessa definição da Anvisa."
As jornalistas também levantaram documentações oficiais da Anvisa e do Ministério da Saúde sobre a definição de usina de oxigênio. "Outro documento consultado foi o projeto de lei 1069/2021, de autoria do deputado José Ricardo (PT-AM), cujo objetivo é tornar obrigatória a instalação de usinas geradoras de oxigênio medicinal em unidades que possuam leitos de internação", afirma Custódio.
Entre as principais dificuldades enfrentadas durante a apuração, Lavor destaca o mau preenchimento do CNES por agentes públicos, o que gera inconsistência dos dados que são disponibilizados. "Apesar dessas dificuldades, a reportagem só foi possível pela política de transparência e dados abertos, que nos permitiu explorar parte dessa realidade. Mas temos muito a caminhar", avalia a editora.
Dica da Semana
Se você costuma fazer pedidos de Lei de Acesso à Informação, já deve ter recebido planilhas em PDF. E esse formato de arquivo traz uma série de dificuldades para fazermos análise de dados. Por isso, para a sua próxima solicitação de LAI, se ligue nessa dica da agência Fiquem Sabendo: "Requisito que as informações sejam fornecidas em formato aberto (planilha em .csv, .ods etc.), nos termos do art. 8º, §3º, III da Lei Federal 12.527/11 e art. 24, V da Lei Federal 12.965/14. Esclarecemos que arquivos em formato '.pdf' não são abertos (vide o item 6.2 em: https://dados.gov.br/pagina/cartilha-publicacao-dados-abertos)."
Mesmo assim, é bem possível que você encontre esse tipo de arquivo no dia a dia. Por isso, aqui vão algumas dicas para extrair informações de PDFs. O software Tabula ajuda a raspar tabelas em PDF. Já a extensão Copyfish é um leitor OCR (sigla para reconhecimento ótico de caracteres, em inglês) que nos ajuda a copiar texto de PDF (de imagens ou vídeos também). O aplicativo Microsoft Office faz um trabalho semelhante ao Tabula, mas a partir de fotos e imagens de planilhas. E os apps Google Lens e Firefox ScreenshotGo Beta são ótimos leitores OCR.
Fortaleça o trabalho de quem faz a Investigadora. Contribua com qualquer quantia. O pagamento pode ser feito via Pix, por meio da chave aleatória 61699d2c-28f7-4d90-b618-333a04f13e0a. É só copiar e colá-la. Também dá para usar o QR Code a seguir:
*Eduardo Goulart de Andrade trabalha profissionalmente com jornalismo há 14 anos. Foi repórter da TV Brasil e já publicou em diversos veículos, como The Intercept Brasil e InfoAmazonia. Desde 2018, tem focado suas reportagens na interseção entre jornalismo investigativo, jornalismo de dados e técnicas de OSINT.
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