#22 | Saúde e Forças Armadas sob suspeita
Uma newsletter sobre jornalismo investigativo baseada em dados do projeto CruzaGrafos e em investigações brasileiras
Olá! Bem-vindas e bem-vindos.
Meu nome é Eduardo Goulart de Andrade* e esta é mais uma edição da Investigadora. Hoje, falaremos sobre uma investigação que descobriu que o ministério da Saúde pagou mais caro por lote de máscaras. Também vamos abordar um levantamento que revelou que o Tribunal de Contas da União fez pelo menos 278 auditorias envolvendo órgãos das Forças Armadas, nos últimos 20 anos, e encontrou possíveis irregularidades. Já a Dica da Semana é sobre a nova parceria da Abraji com o Google, que disponibiliza milhares de documentos de interesse público.
Antes de tudo, quero lembrar que está rolando o 16º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo da Abraji. Ainda dá tempo de se inscrever, é gratuito e você pode assistir aos painéis ao vivo ou, depois, gravados por até um mês! Veja todos os detalhes da programação aqui. As inscrições podem ser feitas aqui.
E no domingo, dia 29, acontece o 3º Domingo de Dados. O evento é uma extensão do Congresso, e conta com muito conteúdo sobre jornalismo de dados e investigações baseadas em evidências. Inscrições aqui. Mas antes, no sábado, tem o VIII Seminário de Pesquisa, que discute pesquisas acadêmicas sobre jornalismo investigativo. Para se inscrever, visite esta página.
A Investigadora é gratuita. Mas, se você gosta dela, contribua financeiramente com o nosso trabalho. No final de cada edição, você encontra um QR Code e uma chave aleatória para pagar via Pix. É fácil, rápido e você pode doar o quanto quiser!
Se esta é a sua primeira vez por aqui, sinta-se em casa. Esta é uma newsletter sobre jornalismo investigativo baseada em dados do projeto CruzaGrafos – parceria da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) e do Brasil.IO, com o apoio da Google News Initiative.
As bases de dados do projeto não têm avaliação de mérito. Indícios de condutas ilícitas devem ser checados com fontes e mais informações. Além disso, o fato de qualquer pessoa ser investigada não significa que ela seja culpada. Todos os dados devem ser checados, incluindo os políticos e empresas citados. Também é preciso ficar atento a pessoas e empresas homônimas.
Consultamos milhões de dados da Receita Federal do Brasil e do Tribunal Superior Eleitoral. Mas sempre indicamos que você confira na Receita o CNPJ porque os dados de uma empresa podem mudar mais rápido do que nossa atualização.
Você pode ler mais sobre o projeto aqui. Preparamos um guia escrito, um vídeo tutorial com legendas em português, inglês e espanhol, além de uma web stories.
O CruzaGrafos, indicado como finalista do Sigma Awards 2021, conta ainda com um programa de treinamentos voltado para redações, grupos de freelancers, universidades e organizações do terceiro setor ligadas à educação e à transparência de dados.
Já fizemos o treinamento com jornalistas do Correio, da Bahia, do Globoesporte, do Rio de Janeiro, do Correio de Carajás, da cidade paraense de Marabá, do Matinal Jornalismo, da capital gaúcha, e do site Metrópoles, de Brasília. Além disso, também tivemos turmas de alunos e professores de graduação e pós-graduação de diversas universidades públicas (UFPR, UFCA, UFC, UFF, UFPA, UFSM e Unesp). Ainda treinamos um grupo de freelancers do Rio Grande do Sul, além de uma turma que reuniu jornalistas de todo o Brasil. No total já foram 122 pessoas.
O CruzaGrafos está disponível para todos os associados da Abraji. Para não associados, clique aqui. Quem quiser fazer parte da Abraji, pode ver os passos neste link. E aqui dá para apoiar o Brasil.IO.
Boa leitura!
Negócio da China
O jornalista Thiago Herdy, ex-presidente da Abraji, está de casa nova. Depois de mais de 11 anos como repórter n'O Globo, ele agora é colunista do UOL. Na reportagem de estreia no novo veículo, publicada no fim de julho, Herdy denuncia que o ministério da Saúde pagou quase US$ 15 milhões a mais por lote de máscaras. O produto, do tipo KN95, "custou 29% mais ao governo brasileiro do que a uma empresa privada que as adquiriu na mesma época, do mesmo importador e do mesmo fornecedor", escreveu na coluna.
Segundo o jornalista, o contrato de compra das máscaras para profissionais da saúde foi o segundo maior celebrado desde o início da pandemia no país. Ficou atrás só da compra de vacinas. "O custo previsto total da compra era de R$ 695,2 milhões. Por conta de alterações cambiais no curso da execução, o governo teve um gasto extra de pelo menos R$ 38,8 milhões, de acordo com dados do Portal da Transparência", informou na matéria.
"A empresa escolhida pelo governo brasileiro para realizar a venda, a Global Base Development HK, estava sediada em um paraíso fiscal, não havia qualquer registro em redes abertas sobre sua atuação, nem sobre seus proprietários. No Brasil, ela era representada por um importador de relógios de luxo, que nunca havia atuado na área de saúde, e agora assinava o maior contrato do combate à Covid-19 no Brasil", explica Herdy.
A representante brasileira se chama 356 Distribuidora, Importadora Exportadora. No CruzaGrafos, vemos que a empresa pertence a Freddy Rabbat.
#PraCegoVer: print do CruzaGrafos mostra que Freddy Rabbat faz parte do quadro societário de nove empresas, incluindo a Associação Brasileira de Empresas de Luxo, e é representante legal de Freddy Rabbat Neto
Herdy apurou que Rabbat citou o nome de BI Tian Yuan como o responsável pela Global Base na proposta que foi apresentada ao governo brasileiro. "Trata-se de um jovem de 19 anos que nos Estados Unidos adotou o nome Jack Yuan. Ele é estudante da Universidade de Stanford e colega na instituição de Freddy Rabbat Neto, de 20 anos, filho do dono da 356 Distribuidora", detalhou o jornalista na reportagem.
Para a investigação, o jornalista conta que cruzou informações encontradas em redes abertas com bases de dados públicas. Ele também manteve contato com 24 fontes. "Cada uma colaborou para determinada parte da construção deste texto. Elas me ajudaram a confirmar e a descartar hipóteses que fui levantando ao longo da apuração."
Para descobrir os preços que a Global Base cobrou do governo brasileiro e da empresa privada, Herdy obteve documentos com uma fonte que ele não pode revelar. O jornalista conta que também buscou dados sobre empresas de Hong Kong neste site. E para companhias chinesas, ele consultou aqui. "Os sites costumam ter partes em inglês e em mandarim. Neste caso, o Google Translator cai como luva para tirar as pedras do caminho", aconselha Herdy.
Militares na mira do TCU
Em 19 de julho, o jornalista André Shalders revelou no Estadão que o Tribunal de Contas da União vai investigar militares por suspeita de irregularidades em licitações de até R$ 120 milhões. Exatamente uma semana depois, ele publicou mais uma matéria sobre indícios de irregularidades nas Forças Armadas. E, de novo, a pauta surgiu a partir de dados do TCU.
"Depois que saiu a primeira matéria, uma fonte me mandou uma mensagem falando para eu dar uma olhada porque as Forças Armadas têm muitas investigações desse tipo. Disse que, dentro do Tribunal de Contas da União, não é desprezível a quantidade de apurações relacionadas a esse tipo de desvio nas Forças Armadas", conta Shalders.
As possíveis irregularidades vão de fraudes em pensões a desvio de combustível. "Em número de casos, o tipo de problema mais comum investigado pelo TCU é o pagamento indevido de pensões: pelo menos 52 das 278 apurações identificadas pelo Estadão são sobre o tema", escreveu na reportagem. Na Marinha, um capitão foi condenado a ressarcir a União em R$ 316 mil por causa do extravio de 118,5 mil litros de óleo diesel de um navio. E no Exército foi aberta uma investigação para apurar furto de comida em um almoxarifado no interior de São Paulo, com prejuízo estimado em R$ 171,8 mil.
No levantamento, Shalders descobriu que o TCU fez pelo menos 278 auditorias para apurar possíveis prejuízos causados pelas Forças Armadas nos últimos 20 anos. "O número se refere às chamadas Tomadas de Contas Especiais (TCEs) em unidades militares e no Ministério da Defesa, e não é pequeno: as 278 apurações encontradas pelo levantamento do Estadão representam cerca de 10% dos 2.743 processos do tipo abertas no período, excluindo as relacionadas a prefeituras ou governos estaduais. Além de outros ministérios e órgãos da União, o universo de 2,7 mil TCEs inclui associações privadas, partidos políticos e até entidades do Sistema S — que o TCU fiscaliza ao receberem recursos federais", detalhou o jornalista na matéria.
Shalders explica como fazer o levantamento. Entre nesta página do TCU. Na opção "Pesquisar em...", selecione "Acórdãos". No campo "O que deseja pesquisar?", clique no filtro que fica ao lado da lupa. Com isso, abrirá uma nova janela – a da imagem abaixo. Em "processo", vá em "tipo" e selecione "Tomada de contas especial". Depois, aperte "buscar".
#PraCegoVer: print da janela de pesquisa do TCU
O resultado traz dezenas de milhares de acórdãos. É possível exportar os dados em CSV. Shalders baixou os resultados individualmente ano a ano, de 2021 a 2001. "Essa fase de montar a base de dados e depois limpá-la foi a parte mais dura de fazer. Mas a técnica é bastante simples, na verdade", afirma o jornalista.
Depois da limpeza e da análise dos dados, o repórter verificou as informações. "Não é só baixar a base de dados. Tem que aplicar uma inteligência ali, lapidar esse negócio. Tem o trabalho de checar." Como o assunto é complexo, o jornalista diz que conversou com auditores do tribunal para entender melhor os dados e evitar interpretações equivocadas.
"Acho que a dica fundamental é aprender como funciona o TCU, porque ele é um órgão muito peculiar. Ele não é parte do poder judiciário", recomenda Shalders. "Você precisa estudar a estrutura de funcionamento do tribunal para não tirar conclusões incorretas. Procure entender como funciona para não falar bobagem."
Dica da Semana
Se você acompanha a Investigadora há algum tempo, já deve ter lido sobre o Pinpoint por aqui. De qualquer forma, vale relembrar: é uma ferramenta do Google que utiliza inteligência artificial para pesquisar PDFs, imagens com texto, documentos escritos à mão e até áudios em português. É só fazer upload de arquivos na plataforma para que ela identifique automaticamente nomes de pessoas, locais e empresas mencionadas nos documentos e nos áudios. E, desde segunda-feira (23), a Abraji passou a disponibilizar milhares de documentos de interesse público na plataforma.
Curadora do Pinpoint no Brasil, a Abraji vai apresentar duas grandes coleções de documentos de interesse público na plataforma todos os meses. Abrimos os trabalhos com documentos da CPI da Pandemia e do inquérito 4.828, que investiga manifestações antidemocráticas. O acesso à ferramenta é gratuito.
#PraCegoVer: captura de tela do Pinpoint com a coleção da CPI da Pandemia, que já conta com quase 3 mil documentos
Na caixa de pesquisa do Pinpoint, é possível buscar por palavras-chave. Inclusive, dá para usar operadores de busca avançada. Na edição 21, falamos sobre esses filtros para pesquisar no Google. Alguns deles também funcionam no Pinpoint. Use aspas para pesquisar um termo exato. Por exemplo, "kit covid". Já o símbolo de menos serve para excluir uma palavra da pesquisa: kit -covid. Para pesquisas em documentos que contenham um ou outro termo, utilize OR (em letras maiúsculas). Por exemplo: Mandetta OR Pazuello.
Também é possível filtrar os documentos no menu ao lado direito da tela, onde aparecem nomes de pessoas, empresas e instituições, além de localizações geográficas (cidades, UFs, nomes de rodovias, CEPs etc.). Inclusive, dá para combinar esses filtros. Depois, ao clicar no documento, a ferramenta abre o arquivo com a informação destacada. Para saber mais sobre o Pinpoint e a curadoria da Abraji, leia aqui. E assista ao tutorial que o coordenador do Google News Lab no Brasil, Marco Túlio Pires, gravou sobre o Pinpoint. Tá bem legal!
Fortaleça o trabalho de quem faz a Investigadora. Contribua com qualquer quantia. O pagamento pode ser feito via Pix, por meio da chave aleatória 61699d2c-28f7-4d90-b618-333a04f13e0a. É só copiar e colá-la. Também dá para usar o QR Code a seguir:
*Eduardo Goulart de Andrade trabalha profissionalmente com jornalismo há 14 anos. Foi repórter da TV Brasil e já publicou em diversos veículos, como The Intercept Brasil e InfoAmazonia. Desde 2018, tem focado suas reportagens na interseção entre jornalismo investigativo, jornalismo de dados e técnicas de OSINT. Também edita a newsletter Don't LAI to Me, da agência Fiquem Sabendo.
Ficou com alguma dúvida? Quer saber sobre os bastidores de uma determinada reportagem ou aprender mais sobre alguma ferramenta? Vem com a gente: cruzagrafos@abraji.org.br.
Para ler as edições passadas da Investigadora, clique aqui. Por hoje, é só. Até daqui a 14 dias!
O que você achou desta edição da Investigadora?
>> Divulgue a Investigadora: encaminhe a newsletter para seus amigos e compartilhe os conteúdos nas suas redes sociais.