#23 | Dicas para cobrir a crise climática
Uma newsletter sobre jornalismo investigativo baseada em dados do projeto CruzaGrafos e em investigações brasileiras
Olá! Bem-vindas e bem-vindos.
Meu nome é Eduardo Goulart de Andrade* e esta é mais uma edição da Investigadora. Hoje, falaremos sobre uma série de reportagens que investigou quem financia a indústria da carne na Amazônia. Também vamos abordar uma matéria que mostrou como a mudança do clima tem afetado o Nordeste brasileiro. Já a Dica da Semana é sobre um curso de jornalismo de dados ambientais.
Mas antes deixa eu fazer um convite. Você já deve saber que a Abraji disponibiliza milhares de documentos de interesse público no Pinpoint, plataforma de pesquisa do Google, certo? Pois então, na quinta da semana que vem (16), às 18h30, faremos uma live para explicar como a ferramenta funciona. Vamos dar exemplos de possíveis investigações com o uso do Pinpoint. Além disso, é claro, também vamos mostrar como é possível transcrever automaticamente gravações em MP3 com o uso dessa nova tecnologia. A live será no Youtube da Abraji.
A Investigadora é gratuita. Mas, se você gosta dela, contribua financeiramente com o nosso trabalho. No final de cada edição, você encontra um QR Code e uma chave aleatória para pagar via Pix. É fácil, rápido e você pode doar o quanto quiser!
Se esta é a sua primeira vez por aqui, sinta-se em casa. Esta é uma newsletter sobre jornalismo investigativo baseada em dados do projeto CruzaGrafos – parceria da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) e do Brasil.IO, com o apoio da Google News Initiative.
As bases de dados do projeto não têm avaliação de mérito. Indícios de condutas ilícitas devem ser checados com fontes e mais informações. Além disso, o fato de qualquer pessoa ser investigada não significa que ela seja culpada. Todos os dados devem ser checados, incluindo os políticos e empresas citados. Também é preciso ficar atento a pessoas e empresas homônimas.
Consultamos milhões de dados da Receita Federal do Brasil e do Tribunal Superior Eleitoral. Mas sempre indicamos que você confira na Receita o CNPJ porque os dados de uma empresa podem mudar mais rápido do que nossa atualização.
Você pode ler mais sobre o projeto aqui. Preparamos um guia escrito, um vídeo tutorial com legendas em português, inglês e espanhol, além de uma web stories.
O CruzaGrafos, indicado como finalista do Sigma Awards 2021, conta ainda com um programa de treinamentos voltado para redações, grupos de freelancers, universidades e organizações do terceiro setor ligadas à educação e à transparência de dados.
Já fizemos o treinamento com jornalistas do Correio, da Bahia, do Globoesporte, do Rio de Janeiro, do Correio de Carajás, da cidade paraense de Marabá, do Matinal Jornalismo, da capital gaúcha, e do site Metrópoles, de Brasília. Além disso, também tivemos turmas de alunos e professores de graduação e pós-graduação de diversas universidades públicas (UFPR, UFCA, UFC, UFF, UFPA, UFSM e Unesp). Ainda treinamos um grupo de freelancers do Rio Grande do Sul, além de uma turma que reuniu jornalistas de todo o Brasil. No total já foram 122 pessoas.
O CruzaGrafos está disponível para todos os associados da Abraji. Para não associados, clique aqui. Quem quiser fazer parte da Abraji, pode ver os passos neste link. E aqui dá para apoiar o Brasil.IO.
Boa leitura!
O mercado financeiro e a indústria da carne
A máxima "siga o dinheiro" nunca sai de moda no jornalismo investigativo. Com isso em mente, os jornalistas Fernanda Wenzel, Pedro Papini e Naira Hofmeister investigaram quem financia o desmatamento na Amazônia em uma série de reportagens para o site ((o))eco. Em uma das matérias, publicada em agosto do ano passado, eles mostraram que a norte-americana BlackRock, maior gestora de ativos financeiros do mundo, administrava R$ 2,2 bilhões em ações dos três maiores frigoríficos brasileiros que operam na Amazônia – JBS, Marfrig e Minerva.
"Esta foi a sétima matéria de uma série de reportagens do ((o))eco sobre quem financia a indústria da carne na Amazônia. Como a BlackRock é a maior gestora de ativos financeiros do mundo e vem apostando muito no discurso ESG (investimentos que consideram questões ambientais, sociais e de governança), achamos que seria importante verificar até que ponto esse discurso é aplicado na prática", diz Wenzel.
De acordo com a reportagem, a pecuária é a principal responsável pelo desmatamento na Amazônia. "Segundo a Trase.Earth, 80% da floresta derrubada vira pasto. Em uma das reportagens anteriores, percebemos que os três frigoríficos que concentram mais da metade dos abates de gado na Amazônia Legal são também empresas atrativas na bolsa de valores. Então resolvemos buscar a detentora do maior poder de pressão entre os investidores, por concentrar volume grande de ações em suas mãos, a BlackRock", conta Hofmeister.
A BlackRock tem escritório no Brasil. No CruzaGrafos, vemos quem são os sócios da empresa no país.
#PraCegoVer: print do CruzaGrafos mostra que três pessoas físicas e duas jurídicas compõem o quadro societário da BlackRock Brasil Gestora de Investimentos Ltda
Para fazer o levantamento dos investimentos da BlackRock, os repórteres analisaram os "produtos" oferecidos pela empresa e consultaram dados da Securities and Exchange Commission (SEC), dos Estados Unidos, o equivalente à nossa Comissão de Valores Mobiliários (CVM). "Foi lá que encontramos, por exemplo, a lista completa das subsidiárias da BlackRock", detalha Papini. Além disso, eles também buscaram informações produzidas pelo terceiro setor. "Na época, estávamos trabalhando em outra reportagem com base em dados da ONG Forests and Finance. Graças a essa parceria, conseguimos uma lista de acionistas da JBS, que usamos para checar os nossos dados e dar maior profundidade à matéria", prossegue o jornalista.
Segundo Hofmeister, levantar os dados foi uma das principais dificuldades que eles enfrentaram durante a apuração. "Os grandes frigoríficos brasileiros são empresas multinacionais, e suas ações são comercializadas em todo o planeta. Por isso, precisamos buscar informações em sites internacionais de investimento, que podem ter regras de transparência diferentes entre si."
Além do levantamento, os jornalistas também fizeram várias entrevistas. "Como em qualquer matéria envolvendo investimentos e mercado financeiro, acho que o mais difícil é entender e depois traduzir para o leitor aquele monte de termos técnicos", avalia Wenzel.
Papini ressalta que empresas listadas em bolsas de valores são submetidas a regras rigorosas de transparência. "Acredito que todas as reportagens que fizemos nessa série usaram informações obtidas na CVM, em maior ou menor grau. Portanto, é muito importante conhecer os documentos que estão lá e que tipo de informações se pode obter. Vale destacar, também, que países com bolsas de valores vão ter sua própria versão da CVM, como a SEC nos EUA."
A desertificação no Nordeste
A BBC Brasil publicou uma matéria, mês passado, que mostra como o semiárido nordestino tem se transformado em deserto. O repórter João Fellet conta que a ideia da pauta surgiu a partir da divulgação do último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) em agosto. "Aquela era a semana em que o IPCC estava divulgando o relatório deles. Então fui atrás de histórias que pudessem ilustrar todo aquele linguajar científico do relatório. Exemplos práticos. Aí encontrei essa história da desertificação."
Para fazer a matéria, o jornalista explica que usou informações do Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis), da Universidade Federal de Alagoas. Além disso, também entrevistou um professor desse centro de pesquisa e ainda levantou dados de satélite por conta própria no Google Earth, para mostrar a evolução da desertificação.
#PraCegoVer: imagens de satélite que ilustram a matéria da BBC dão dimensão do avanço da desertificação na Bahia
Para Fellet, apesar da gravidade do tema, ainda há poucos especialistas para falar sobre o tema."Não existem instituições do governo que se dediquem integralmente a isso. Não existe um observatório nacional. São universidades que têm esses programas de maneira independente."
Em maio de 2019, o inglês The Guardian atualizou seu guia de estilo para dar mais precisão à crise ambiental que o mundo enfrenta. O jornal passou a adotar o termo "emergência climática", no lugar da expressão "mudanças climáticas", para descrever o atual cenário do clima.
Fellet acredita que matérias acompanhadas com imagens de satélite costumam gerar impacto na audiência. "Isso pode ser aplicado, por exemplo, não só nesse caso da desertificação, mas também do desmatamento. Dá para fazer comparações de áreas que foram desmatadas ao longo de certo período. Também vale para a seca. Dá para ver a diminuição da largura de rios."
Dica da Semana
Quer se aprofundar no jornalismo de dados ambientais? Então, este curso gratuito da Escola de Dados é parada obrigatória. Ao todo, são 12 horas de aulas que podem ajudar jornalistas interessados na cobertura do meio ambiente com dados e evidências.
Ao fim do curso, você vai saber analisar informações de desmatamentos e queimadas, por exemplo. Além disso, também vai ficar craque em usar imagens de satélites e identificar a visualização mais adequada para cada tipo de dado geográfico.
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*Eduardo Goulart de Andrade trabalha profissionalmente com jornalismo há 14 anos. Atualmente, é editor do Organized Crime and Corruption Reporting Project (OCCRP), consórcio internacional de jornalismo investigativo. Foi repórter da TV Brasil e já publicou em diversos veículos, como The Intercept Brasil e InfoAmazonia. Desde 2018, tem focado suas reportagens na interseção entre jornalismo investigativo, jornalismo de dados e técnicas de OSINT. Também edita a newsletter Don't LAI to Me, da agência Fiquem Sabendo.
Ficou com alguma dúvida? Quer saber sobre os bastidores de uma determinada reportagem ou aprender mais sobre alguma ferramenta? Vem com a gente: cruzagrafos@abraji.org.br.
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