#44 | Arthur Lira: os desafios de investigar o poder
Uma newsletter sobre jornalismo investigativo oferecida pelo projeto CruzaGrafos, da Abraji
Olá!
Eu sou Lucas Maia* e hoje vamos mostrar os bastidores de uma reportagem colaborativa entre a Agência Pública e a Revista Piauí, que investigou as relações de aliados de Arthur Lira (PP) com o hospital filantrópico Veredas, em Maceió.
Na reportagem, Breno Pires e Alice Maciel mostram o envolvimento do presidente da Câmara dos Deputados com o repasse de R$ 1 bilhão em recursos públicos para o hospital alagoano, onde, atualmente, diversos funcionários fazem greves e manifestações por conta da falta de pagamento de salários. Uma situação que segue há anos sem solução.
Na dica do dia, você vai conhecer uma biblioteca de ebooks gratuitos, em português, para quem deseja aprender ou aprimorar habilidades em jornalismo de dados.
Manutenção e novidade: o CruzaGrafos vai estar em manutenção de rotina nos dias 29 e 30 de julho - vamos atualizar as bases de dados e implantar uma novidade, uma nova fonte de informações para pesquisa, a Dívida Ativa da União. Mais detalhes serão divulgados semana que vem no site da Abraji.
Se esta é a sua primeira vez por aqui, sinta-se em casa! Esta é uma newsletter sobre jornalismo investigativo oferecida pelo projeto CruzaGrafos, ferramenta que ajuda a investigar políticos e empresas desenvolvida em parceria pela Abraji e o Brasil.IO. O projeto conta ainda com o apoio da Google News Initiative.
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Boa leitura!
Arthur Lira: os desafios de investigar o poder
A reportagem colaborativa entre a Agência Pública e a Revista Piauí - “Hospital da turma de Arthur Lira recebeu 1 bilhão de reais em sete anos” - foi publicada no dia 2 de julho, mas já vinha sendo gestada desde 2021, quando Alice Maciel e Breno Pires ouviram falar sobre a influência de Arthur Lira em um hospital alagoano que estaria sendo usado para desviar recursos do Ministério da Saúde.
Em 2021, os trabalhadores do hospital já faziam greves e manifestações por falta de pagamentos de salários ao mesmo tempo em que fontes indicavam que a receita do Veredas seria muito superior à de outras instituições filantrópicas de Alagoas, o que viria a ser comprovado no futuro. Mas, até então, Breno e Alice seguiam pistas e tentavam investigar o caso para suas próprias reportagens individuais. No entanto, a falta de transparência tornava difícil a apuração dos fatos. Isso mudou quando Alice (da Pública) e Breno (da Piauí) decidiram unir forças para cavar informações e seguir o dinheiro que chegava aos cofres do Hospital Veredas.
#ParaTodosVerem: fotografia de manifestação de trabalhadores em frente ao hospital. A fotografia mostra a fachada do Veredas: um grande jardim fechado por uma cerca de onde sai um totem com o nome do estabelecimento. Os trabalhadores estão na calçada junto a um carro de som que carrega uma faixa onde está escrito “trabalhador merece respeito”. A foto é do Sindicato dos Auxiliares e Técnicos de Enfermagem no Estado de Alagoas (Sateal) e foi feita em abril de 2022.
“Numa conversa durante o aniversário de um amigo em comum, em maio, descobrimos que estávamos apurando a mesma pauta e tendo as mesmas dificuldades. Então, decidimos unir forças e continuar a investigação juntos, a partir do que cada um havia levantado de informação até então”, conta o jornalista Breno Pires.
Investigação colaborativa
Breno e Alice explicaram que tanto a Pública quanto a Piauí já colaboram com diferentes veículos em diversas pautas. Para eles, a produção de reportagens colaborativas entre profissionais de diferentes veículos é uma tendência do jornalismo e faz com que se torne viável produzir reportagens mais aprofundadas, informando a sociedade sobre o que as autoridades querem manter em segredo.
“A partir da parceria, compartilhamos experiências, perspectivas diferentes, fontes e muita informação, e isso tudo resulta em reportagens mais completas e de maior impacto. Nesse caso do hospital Veredas, por exemplo, é provável que sozinhos não teríamos conseguido aprofundar tanto a apuração. Reunimos o que cada um tinha conseguido levantar de informação para avançar na investigação”, relata Alice.
Veredas ocultas
Para os jornalistas, o Hospital Veredas é uma verdadeira caixa-preta. A reportagem mostra que a instituição recebeu quase R$1 bilhão em recursos públicos federais, estaduais e municipais nos últimos sete anos. Mas não há transparência alguma em relação à forma como esses recursos são utilizados e também existem muitas lacunas sobre o processo de chegada do dinheiro.
“Ouvimos dezenas de fontes, visitamos todos os órgãos fiscalizadores de Alagoas, mas nos surpreendemos com o silêncio e a falta de vontade em abrir as contas da instituição. As informações no portal da Transparência do Governo Federal sobre os repasses ao hospital Veredas estão incompletas e são fragmentadas. Foi preciso consultar inúmeras portarias do Ministério da Saúde e fazer um ‘trabalho de formiguinha’ no Diário Oficial da União”, conta Breno.
O jornalista da Piauí relata que foram solicitadas informações de repasses e prestação de contas do Veredas via Lei de Acesso à Informação, tanto para o Ministério da Saúde quanto para o município de Maceió, mas alguns retornos foram negados e outros tiveram informações incompletas.
O CruzaGrafos, da Abraji, também foi utilizado para apurar dicas de fontes e verificar possíveis ligações entre o Veredas e outras empresas.
#ParaTodosVerem: print da tela do CruzaGrafos mostra relações do Hospital Veredas, que tem como razão social o nome de Fundação Hospital da Agro Indústria do Açúcar e do Álcool de Alagoas. Através da ferramenta também é possível acessar a página da instituição no Portal da Transparência da CGU, que lista os recursos recebidos e os acordos firmados com o Governo Federal.
Follow the money
“Não há um local único onde seja possível obter todos os dados de repasses para o hospital”, afirma Breno Pires.
Os autores da reportagem contam que no portal Siga Brasil, do Senado Federal, foi possível verificar apenas uma parte dos valores transferidos. Já nos painéis do Fundo Nacional da Saúde só foi possível verificar os repasses para o Fundo Municipal da Saúde de Maceió, sem que fosse possível identificar quanto desse montante iria para o Veredas.
“Nós precisamos fazer buscas diretamente no Diário Oficial da União e também nos diários oficiais da Prefeitura de Maceió e do Governo de Alagoas para chegar a esses valores [que foram para o Veredas], que incluem repasses regulares do SUS pelos atendimentos do hospital, para o incremento da atenção primária à saúde, das emendas parlamentares e verbas extras pela emergência de covid-19”, diz Breno.
O jornalista conta ainda que alguns dados vieram da Prefeitura de Maceió, por meio da Lei de Acesso à Informação, outros números foram encontrados em um inquérito civil do Ministério Público Federal que acompanhava a destinação das verbas emergenciais da covid-19.
“Juntando tudo o que mapeamos, foi possível identificar 971 milhões de reais, sendo 413 milhões de verbas municipais, 287 milhões de verbas federais e 271 milhões de verbas estaduais”, complementa.
Breno conta que foi preciso baixar centenas de edições e fazer buscas por termos chave e palavras chave como “Veredas”, “Hospital do Açúcar” (seu antigo nome) e o próprio CNPJ do estabelecimento. Eles organizaram todos os repasses em uma planilha de Excel e foram fazendo as checagens.
A falta de transparência fez com que a investigação exigisse muito retrabalho pois, em diversos casos, havia repasses federais que eram também registrados nos dados municipais, então foi preciso separar caso a caso para não haver duplicidade.
“A checagem foi criteriosa. Infelizmente, a verdade é que os números podem ser muito maiores, mas não foi possível identificar, porque há muitos valores transferidos para o Fundo Municipal de Saúde de Maceió que são gastos sem transparência e, assim, podem ter ido parar no hospital sem que saibamos”, relata Breno Pires.
#ParaTodosVerem: print de tela da plataforma Querido Diário. A ferramenta, criada pela Open Knowledge Brasil, permite fazer buscas por palavras-chave em diários oficiais de 88 municípios do país, incluindo Maceió. O que pode ser de grande utilidade para jornalistas que precisam investigar diários oficiais de cidades.
As conexões de Arthur Lira
A reportagem colaborativa mostra também que, desde 2017, só aliados ou parentes de Arthur Lira administram o dinheiro destinado ao Hospital Veredas.
Até 2022, o diretor financeiro do hospital era Adeilson Loureiro Cavalcante, um político ligado a Arthur Lira. Com a saída de Cavalcante, o cargo foi ocupado por Pauline Pereira, prima do presidente da Câmara. Além da diretoria financeira, Pauline tem assento em uma das dezesseis cadeiras no conselho deliberativo do Veredas. Outra dessas cadeiras pertence a César Lira, também primo do parlamentar, que além de conselheiro do hospital é superintendente do Incra em Alagoas.
Para levantar todas essas informações, Alice e Breno utilizaram documentos públicos do hospital, buscas no Google e em redes sociais, mas também foi necessário contar com informações de fontes exclusivas.
Segundo Breno, “a relação de Lira com o ex-diretor financeiro Adeilson Loureiro e a atual, Pauline Pereira, são públicas. Adeilson é irmão de um aliado político do deputado. Já Pauline, é prima de Lira, assim como César Lira. Só encontramos o nome de César Lira em uma ata de reuniões do Conselho Deliberativo do Hospital Veredas”.
“Além disso, usamos o Cadastro Nacional de Estabelecimento de Saúde (CNES) para checar informações que algumas fontes nos passaram sobre pessoas que trabalhavam no hospital, como, por exemplo, os filhos do presidente do Veredas e da ex-promotora de Fundações, que era a responsável por fiscalizar os gastos do hospital e atualmente presta consultoria para o Veredas”, relata.
#ParaTodosVerem: screenshot mostra os dados do Hospital Veredas na tela do painel de informações do CNES. Através da plataforma é possível identificar quais os equipamentos disponíveis, atividades exercidas, infraestrutura instalada e o nome dos profissionais de qualquer estabelecimento de saúde do país.
A reportagem também mostra que o Hospital Veredas passou a receber mais recursos quando o PP, representado por Ricardo Barros, assumiu o Ministério da Saúde. Breno Pires conta que essa dica foi passada por uma fonte exclusiva e a partir daí eles fizeram buscas no Google, nas redes sociais do hospital e em notícias de portais alagoanos.
“Encontramos no Facebook de Lira o vídeo onde Barros dizia que a visita ao Hospital Veredas tinha sido ‘interessante’ e agradecia a ‘insistência’ do deputado Arthur Lira e do seu pai, o ex-senador Benedito de Lira, pelos recursos. Também encontramos em outras buscas o discurso do presidente do hospital festejando a presença deles”, relata Breno.
Histórias que valem a pena
A newsletter Investigadora perguntou a Breno e Alice quais dicas e orientações eles poderiam dar a quem pretende atuar no jornalismo investigativo.
Alice conta que esse tipo de reportagem mostra a importância de persistir em uma história que vale a pena ser contada, apesar das dificuldades de obtenção de informações. “Foi um caso muito difícil de investigar e consideramos essa uma investigação não definitiva. Nesse, como em outros casos, é muito importante conjugar informações de fontes humanas, documentos públicos e também buscar e encontrar meios de obter informações reservadas”, aconselha.
Para Breno, o jornalismo sempre deve estar próximo dos fatos, frente a frente com as fontes, os personagens das histórias. Ele conta que apesar de terem feito uma grande pré-apuração, a maior parte do que está na reportagem só veio à tona quando os dois passaram uma semana em Maceió, procurando os órgãos fiscalizadores, agentes políticos e funcionários do hospital que sofrem com os atrasos salariais.
“Fomos ver de perto como está a situação do Veredas e acompanhamos uma das paralisações dos trabalhadores. Também tivemos conversas com as autoridades que deveriam estar investigando os graves problemas de gestão do hospital e, infelizmente, notamos que não havia maiores esforços para este caso. A reportagem foi essencial para jogar luz sobre um problema que é dos trabalhadores do hospital, mas também da população de Maceió e de todo o Brasil”, conclui.
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A Escola de Dados é uma iniciativa da Open Knowledge Brasil, que é parte importante do ecossistema de jornalismo de dados no Brasil. Sendo responsável por organizar eventos, cursos e treinamentos por onde já passaram mais de 30 mil profissionais e estudantes.
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*Lucas Maia é jornalista e programador com experiência em Python, data storytelling e dataviz. Também é diretor de tecnologia na Agência Tatu, um veículo focado em jornalismo de dados localizado no estado de Alagoas. Acredita na atuação jornalística como forma de fortalecer a democracia e no poder de tornar dados públicos mais acessíveis a todos.
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