#5 | Empresas no exterior
Uma newsletter sobre jornalismo investigativo baseada em dados do projeto CruzaGrafos e em investigações brasileiras
Olá! Bem-vindas e bem-vindos.
Antes de mais nada, gostaria de me apresentar. Meu nome é Eduardo Goulart de Andrade e a partir de hoje assumo a missão de escrever a Investigadora. Nesta edição, vamos falar sobre empresas sediadas no exterior. Uma série de reportagens do projeto Open Lux revelou que centenas de brasileiros têm companhias registradas no paraíso fiscal de Luxemburgo. Além disso, a newsletter de hoje também aborda uma matéria do Correio, da Bahia, sobre a segunda onda de covid-19 no estado. E a dica da semana é sobre o Pinpoint, uma plataforma do Google para armazenar e analisar documentos. Incluímos também nesta edição da newsletter a descrição #PraCegoLer para facilitar a leitura das pessoas com deficiência visual nas imagens, que podem ser ouvidas com ferramentas de audiodescrição.
Se esta é a sua primeira vez por aqui, sinta-se em casa. Esta é uma newsletter sobre jornalismo investigativo baseada em dados do projeto CruzaGrafos – parceria da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) e do Brasil.IO, com o apoio da Google News Initiative.
As bases de dados do projeto não têm avaliação de mérito. Indícios de condutas ilícitas devem ser checados com fontes e mais informações. Além disso, o fato de qualquer pessoa ser investigada não significa que ela seja culpada. Todos os dados devem ser checados, incluindo os políticos e empresas citados. Também é preciso ficar atento a pessoas e empresas homônimas.
Você pode ler mais sobre o projeto aqui. Preparamos um guia escrito, um vídeo tutorial com legendas em português, inglês e espanhol, além de uma web stories. O CruzaGrafos conta ainda com um programa de treinamentos voltado para redações, grupos de freelancers, universidades e organizações do terceiro setor ligadas à educação e à transparência de dados.
O CruzaGrafos é aberto a todos os associados da Abraji. Para não associados, clique aqui. Quem quiser fazer parte da Abraji, pode ver os passos neste link. E aqui dá para apoiar o Brasil.IO.
Boa leitura!
A dois passos do paraíso (fiscal)
Uma investigação de fôlego, colaborativa e transnacional. O ano mal começou e o projeto Open Lux já desponta como candidato a ser um dos melhores trabalhos jornalísticos de 2021. Mas o pontapé inicial foi dado ainda em 2016.
O jornal francês Le Monde construiu uma gigantesca base de dados, entre 2016 e 2020, a partir de dois registros públicos de Luxemburgo, um dos principais paraísos fiscais da Europa. Apesar de públicas, as informações estavam disponíveis em dois sites de difícil acesso.
As duas plataformas trazem dados complementares. Um dos repositórios (RCS) agrupa informações administrativas das empresas registradas em Luxemburgo. O outro (RBE) contém os nomes dos proprietários dessas companhias.
E, desde 2019, o Luxembourg Business Register (LBR) permite pesquisar os verdadeiros donos de uma empresa – os chamados beneficiários. Mas a busca no site só é possível se você souber o nome da companhia. Ou seja, transparente pero no mucho.
"Jornalistas do Le Monde 'rasparam' todos os dados do site [LBR] e enviaram ao OCCRP, que montou uma planilha com as informações e os incorporou ao [site] Aleph, que é uma plataforma on-line que facilita a busca de dados e o cruzamento com outras bases", detalha o jornalista Luiz Fernando Toledo, editor de Brasil do Organized Crime and Corruption Reporting Project (OCCRP), consórcio internacional de jornalismo investigativo. Inclusive, fica a dica: o acesso ao Aleph é gratuito.
A "raspagem" do LBR – ou seja, a extração automatizada dos dados – foi feita a partir de códigos de programação. Toledo explica que com as informações incorporadas ao Aleph foi possível distribuir o material a veículos parceiros em todo o mundo, com o objetivo de buscar por nomes de pessoas públicas e empresas mais relevantes.
A base de dados reúne os verdadeiros proprietários das 140 mil empresas registradas em Luxemburgo. Jornalistas de 17 veículos de diferentes países tiveram acesso ao material. As informações sobre o Brasil foram analisadas com exclusividade pelo OCCRP e pela piauí.
Entre as figuras com relevância política que os jornalistas brasileiros identificaram na base de dados, estava Inês Maria Neves Faria, mãe do deputado Aécio Neves e beneficiária de uma empresa registrada em Luxemburgo, a Domomedia Investment Holding.
"A partir daí, era necessário recapitular, com base em documentos, todos os inquéritos e ações penais que Aécio responde na Justiça, a fim de identificar padrões e coincidências de datas entre fatos relevantes nas investigações do MPF contra o deputado e medidas adotadas na Domomedia", conta o repórter Allan de Abreu, um dos autores da reportagem – que também foi assinada por Thais Bilenky, José Roberto de Toledo, Fernanda de Escóssia e Luiz Fernando Toledo.
Abreu também lembra que eles checaram dados como data de nascimento e cidade natal dos beneficiários para evitar homônimos. Inês Maria Neves Faria também é sócia de empresas no Brasil. No CruzaGrafos, é possível ver que a mãe de Aécio Neves faz parte do quadro societário de quatro companhias brasileiras.
#PraCegoVer: print do CruzaGrafos mostra que Inês Maria Neves Faria é sócia das empresas I M Participações e Administração Ltda, Fundação Presidente Tancredo Neves, Rádio Arco Iris Ltda e Harmogim Participacoes, Adm e Com Ltda.
Inclusive, uma dessas empresas também tem Aécio Neves como sócio.
#PraCegoVer: imagem do CruzaGrafos apresenta os sócios da I M Participações e Administração Ltda: Inês Maria Neves Faria, Aécio Neves da Cunha, Andrea Neves da Cunha, Luiza Neves Cunha da Fonseca e Ângela Neves da Cunha.
Beneficiários de empresas em paraíso fiscal não necessariamente estão cometendo crime ou irregularidades. Segundo Toledo, do OCCRP, um dos desafios desse tipo de investigação é encontrar histórias que se destacam em meio a um mar de dados. "Para tornar essa base de dados relevante, precisamos entender detalhes de como as empresas foram constituídas, quando, o histórico dos personagens envolvidos e se essas empresas foram ou não declaradas à Receita Federal e, em alguns casos, ao Banco Central."
Abreu afirma que a defesa de Aécio deu respostas incongruentes à reportagem. E essas informações incompatíveis com os fatos também são fundamentais para se contar uma história. "Daí, inclusive, a importância em se ter o outro lado em qualquer reportagem investigativa."
Já que o assunto é investigação de empresas registradas no exterior, Abreu indica algumas fontes que ele costuma usar para esse tipo de apuração: a base de dados Offshore Leaks, do ICIJ, além de ferramentas para pesquisar empresas na Flórida, no Reino Unido e, claro, em Luxemburgo.
E aqui vão algumas outras dicas de ferramentas que venho compilando ao longo dos últimos anos. O repositório OpenCorporates é o Santo Graal para encontrar dados de empresas estrangeiras (e brasileiras também).
Neste site, podemos levantar dados de empresas registradas nos 50 estados norte-americanos. Outro repositório útil para investigar empresas nos Estados Unidos é o da Security and Exchange Commission (SEC), a CVM dos gringos. Aqui tem algumas informações que ilustram as possibilidades de pesquisa com essa ferramenta da SEC.
Para investigar processos judiciais na terra do Tio Sam, há uma série de bancos de dados: Pacer, Docket Alarm, Court Listener, JudyRecords, Unicourt e OffshoreAlert. Nos Estados Unidos, os lobistas devem ser registrados. Aqui tem a lista dos lobistas com clientes brasileiros.
Também vale a pena ficar de olho em figuras públicas do Brasil que têm propriedade nos Estados Unidos. Por isso, é sempre bom pesquisar se os alvos de nossas investigações são donos de imóveis em Miami. Aqui também dá para ver. Já esse outro site pode ser útil para descobrir valores de imóveis e donos de propriedades em Nova York e Los Angeles, por exemplo.
Olha a onda
Quando as eleições acabaram, o jornalista Vitor Villar começou a anotar o número de novos casos de covid-19 registrados nas 20 maiores cidades baianas. A partir disso, ele acompanhou a evolução da pandemia numa média móvel. O resultado dessa apuração foi esta reportagem publicada no Correio, da Bahia.
Segundo a matéria, Santo Antônio de Jesus foi a cidade com o maior crescimento de casos. Entre 16 de novembro e 14 de janeiro, o número de contaminados aumentou 76,5%, totalizando 5.016 pessoas infectadas. No mesmo período, os casos de covid-19 no estado cresceram 39,5%.
"Aqui na Bahia (assim como em quase todos os estados do Brasil) houve um flagrante desrespeito aos cuidados de distanciamento social durante a campanha eleitoral", diz Villar. A reportagem é ilustrada com imagens de redes sociais que mostram eventos de campanha com aglomerações, com várias pessoas sem máscara.
#PraCegoVer: a matéria traz duas fotos reproduzidas do Instagram. Ambas imagens mostram dezenas de pessoas aglomeradas em eventos das campanha dos candidatos Genival e Rogério Andrade, que concorreram à prefeitura de Santo Antônio de Jesus na última eleição.
Para acompanhar a evolução da pandemia no estado, o jornalista usou os dados fornecidos pela secretaria estadual de Saúde (Sesab), que divulga diariamente o número de novos casos nos municípios baianos. "O problema é que esse boletim só está disponível em PDF", conta Vilar. "Então, diariamente tinha que raspar os dados usando o Tabula e ir colocando numa planilha simples, de Excel."
Os arquivos em PDF não são em formato aberto e legível por máquinas. Ou seja, não é possível editá-los em planilhas eletrônicas. Por isso, Villar usou o Tabula, uma ferramenta on-line e gratuita que permite extrair dados de tabelas de PDF e convertê-los em arquivos CSV. Estes são editáveis em Excel ou Google Sheets.
Villar conta que tem sempre à mão cinco bases de dados para fazer reportagens sobre a pandemia. "Tenho salvo no meu navegador e abro todos os dias o painel de coronavírus da Sesab, a página onde eles divulgam os boletins em formato PDF, o painel da Rede Covida, da Fiocruz, o painel colaborativo Brasil.IO e o painel GeoCovid-19, que é elaborado por universidades baianas."
Dica da semana
O Google lançou recentemente uma plataforma muito útil para jornalistas que trabalham com uma grande quantidade de documentos: o Pinpoint. A ferramenta cumpre um papel semelhante ao DocumentCloud e ao Aleph, mas com características um pouco diferentes. Com o Pinpoint é possível pesquisar e analisar PDFs, imagens com texto, documentos escritos à mão e até áudios de um jeito bem fácil.
A inteligência artificial do Pinpoint quantifica o número de vezes que nomes de pessoas, cidades e empresas aparecem nos documentos. A pesquisa segue os mesmos parâmetros do motor de buscas do Google. Inclusive, é possível fazer busca avançada com múltiplas palavras-chave. Isso é útil para descobrir se a base de dados tem documentos com diferentes informações conectadas entre si. Aqui um tutorial em espanhol sobre a ferramenta.
#PraCegoVer: print da interface do Pinpoint mostra um projeto com 30.814 documentos. Também vemos uma série de PDFs, um campo de pesquisa e a indicação de que se trata de um arquivo sobre o assassinato do presidente dos Estados Unidos JFK. Na imagem também aparece a opção para filtrar os arquivos a partir de nomes de pessoas ou de organizações. Percebemos, por exemplo, que o termo John F. Kennedy aparece em 18.110 documentos; Fidel Castro, 1.550 vezes; e Federal Bureau of Investigation é mencionado em 16.783 arquivos.
Ficou com alguma dúvida? Quer saber sobre os bastidores de uma determinada reportagem ou aprender mais sobre alguma ferramenta? Vem com a gente: cruzagrafos@abraji.org.br
Para ler as edições passadas da Investigadora, clique aqui. Por hoje, é só. Até semana que vem!
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