#7 | Amazônia ilegal
Uma newsletter sobre jornalismo investigativo baseada em dados do projeto CruzaGrafos e em investigações brasileiras
Olá! Bem-vindas e bem-vindos.
Meu nome é Eduardo Goulart de Andrade e esta é mais uma edição da Investigadora. Hoje, vamos falar sobre investigações relacionadas a crimes ambientais. A BBC publicou uma reportagem e um documentário que mostram que terras da Floresta Amazônica estão sendo griladas e vendidas pelo Facebook. E um levantamento do De Olho nos Ruralistas mostra que centenas de áreas indígenas estão registradas em nome de pessoas físicas ou jurídicas. Além disso, a newsletter ainda traz dicas de bases de dados e ferramentas para cobrir o meio ambiente.
Se esta é a sua primeira vez por aqui, sinta-se em casa. Esta é uma newsletter sobre jornalismo investigativo baseada em dados do projeto CruzaGrafos – parceria da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) e do Brasil.IO, com o apoio da Google News Initiative.
As bases de dados do projeto não têm avaliação de mérito. Indícios de condutas ilícitas devem ser checados com fontes e mais informações. Além disso, o fato de qualquer pessoa ser investigada não significa que ela seja culpada. Todos os dados devem ser checados, incluindo os políticos e empresas citados. Também é preciso ficar atento a pessoas e empresas homônimas.
Você pode ler mais sobre o projeto aqui. Preparamos um guia escrito, um vídeo tutorial com legendas em português, inglês e espanhol, além de uma web stories.
O CruzaGrafos conta ainda com um programa de treinamentos voltado para redações, grupos de freelancers, universidades e organizações do terceiro setor ligadas à educação e à transparência de dados. Esta semana o primeiro treinamento foi feito com jornalistas do Correio, na Bahia. E depois teremos uma turma com o Globoesporte, no Rio de Janeiro.
O CruzaGrafos é aberto a todos os associados da Abraji. Para não associados, clique aqui. Quem quiser fazer parte da Abraji, pode ver os passos neste link. E aqui dá para apoiar o Brasil.IO.
Boa leitura!
Floresta à venda pelo Facebook
O jornalista João Fellet vive "caçando" boas histórias em redes sociais. E o faro do repórter da BBC Brasil tem rendido ótimas pautas. Uma das mais recentes é a investigação que revelou áreas da Floresta Amazônica que estão sendo negociadas em anúncios pelo Facebook. Via de regra são terras griladas. Algumas delas, inclusive, ficam dentro de unidades de conservação ou de territórios indígenas. Tudo ilegal.
A apuração começou quando o jornalista digitou no campo de pesquisa do Facebook termos genéricos, como floresta. Fellet conta que não tem uma rotina específica para buscar pautas nessa rede social, mas explica que existem vários grupos temáticos interessantes para monitorar. Alguns deles, à margem da lei. "Fiz recentemente uma matéria sobre grupos de caçadores ilegais que estavam se expondo no Facebook. Então, eu gosto de dar uma pesquisada por esses grupos, tentar entrar e ver o que está acontecendo."
No Twitter da BBC, Fellet detalhou a investigação sobre as vendas de áreas protegidas na Amazônia. Ele diz que a apuração começou a partir de um anúncio no Facebook, num post que oferecia uma área no Amazonas por R$ 3,2 milhões "pronta para agricultura". A publicação também trazia um mapa hidrográfico. E foi a partir dele que o repórter descobriu que essas terras ficavam dentro da Floresta Nacional do Aripuanã. Portanto, a área nunca poderia ser vendida.
Em outro post, um vendedor oferecia terras em Rondônia, "com toda madeira ainda para tirar", e citava a Associação Curupira. Fellet pesquisou pela tal entidade e descobriu que se tratava de uma organização criminosa. Segundo a Polícia, o grupo estava envolvido em grilagem e venda de terras indígenas. No CruzaGrafos, é possível ver que Nelson Bispo dos Santos é o único sócio da associação.
#PraCegoVer: captura de tela do CruzaGrafos mostra a conexão entre Nelson Bispo dos Santos e a Associação dos Produtores Rurais da Comunidade Curupira. A plataforma também apresenta o CNPJ da entidade.
Para comprovar que anunciantes estavam de fato vendendo áreas ilegais na Amazônia, João viajou para a região. Ele não chegou a se encontrar pessoalmente com os vendedores, mas monitorou os encontros e treinou a pessoa que participou das reuniões, passando-se como representante do interessado em comprar as terras.
"Essa pessoa que a gente contratou, antes de ir a campo, passou por um treinamento para saber usar a câmera escondida que ficava no corpo dela, como se fosse um botão da camisa. A gente também simulou várias entrevistas, como ele deveria se portar, as perguntas que deveria fazer", afirma Fellet. "Então, a gente passou de dois a três dias discutindo cenários, protocolos de segurança, além desse treinamento sobre o uso da câmera e a condução das conversas."
Um dos encontros filmados foi com o corretor de imóveis Alcimar Araujo da Silva, num escritório em Porto Velho. No anúncio que ele publicou no Facebook, havia o número de registro de um dos lotes no Cadastro Ambiental Rural (CAR). O preenchimento na plataforma é autodeclaratório, dando margem a fraudes.
Fellet consultou o CAR e escreveu na matéria que a área à venda "está 100% dentro da Floresta Nacional do Aripuanã e tem 98,6% de seu território coberto por mata nativa". Os dados do CruzaGrafos mostram que Silva é sócio de uma empresa, chamada A. A. Silva Imobiliária Ltda. A plataforma da Abraji também indica que uma pessoa de mesmo nome se candidatou a deputado estadual em 2010.
#PraCegoVer: print do CruzaGrafos detalha dados de Alcimar Araujo da Silva.
No site DivulgaCand, do TSE, conseguimos confirmar que se trata da mesma pessoa, e não um homônimo. Para isso, buscamos o número do CPF de Silva que está disponível nas certidões que o candidato apresentou à Justiça Eleitoral. O documento é idêntico àquele que aparece no CruzaGrafos, vinculado ao sócio da imobiliária.
#PraCegoVer: página do DivulgaCand apresenta uma série de informações do candidato Alcimar Araujo, que concorreu a uma vaga para deputado estadual em Rondônia.
O CruzaGrafos também mostra o número do título de eleitor de Silva. E com esse documento verificamos, em 10 de março, que o corretor de Rondônia continua filiado ao PP.
Fellet também descobriu que os vendedores cobram mais caro por áreas já desmatadas. Em um dos casos, o anunciante triplicou o preço do lote. Usando imagens de satélite da empresa Planet, Fellet mostra a devastação da área entre maio e julho do ano passado.
PraCegoVer: GIF com imagens de satélite da Planet, que fazem parte da reportagem de Fellet, mostram o desmatamento de uma área da Floresta Amazônica.
Durante o processo de apuração, uma das principais preocupações de Fellet foi em relação à segurança. Inclusive, ele chegou a gravar uma entrevista "on the record" com um madeireiro ilegal, que cobriu o rosto para não ser identificado. A reportagem do jornalista virou um documentário da BBC. "A gente tinha uma equipe grande dando suporte, de Londres e São Paulo, e ajudando a tomar decisões. Mas sempre existia um nível de incerteza. Era uma reportagem que trazia um risco, né?"
Terra tomada
Reportagem do site De Olho nos Ruralistas, publicada em outubro do ano passado, mostra que fazendeiros declararam ser donos de 297 áreas indígenas, apesar de esses territórios serem de usufruto exclusivo de povos tradicionais. A matéria assinada pelas repórteres Poliana Dallabrida e Sarah Fernandes também utiliza dados do Cadastro Ambiental Rural (CAR).
A jornalista Sarah Fernandes, que também é formada em geografia, explica que o CAR, por ser autodeclaratório, tem sido usado por grileiros. "A grilagem acontece de forma virtual também. São praticamente grileiros virtuais. Eles utilizam essas bases de dados para se apropriar de terras ainda virtualmente e conseguir justificar essa posse legalmente depois."
O levantamento feito pelo De Olho nos Ruralistas leva em consideração territórios indígenas de todo o país, e não apenas da região amazônica.
#PraCegoVer: infografia publicada pelo De Olho nos Ruralistas traz um mapa do Brasil indicando onde há sobreposição do Cadastro Ambiental Rural em terras indígenas.
O jornalista Bruno Bassi foi quem coordenou o projeto do De Olhos nos Ruralistas, que surgiu a partir de uma parceria com a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e a ONG Amazon Watch. Ele foi um dos que "meteram a mão na massa" para cruzar e analisar dados do CAR com informações fundiárias de 743 terras indígenas em diferentes fases do processo de reconhecimento pela Fundação Nacional do Índio (Funai).
Bassi considera que o uso de bases de dados públicas é fundamental para melhorar a cobertura jornalística. "É muito importante que os profissionais de jornalismo dominem essas técnicas de cruzamento de dados, de análise de dados principalmente, para identificar nessas pilhas de números e de informações o que é relevante, o que é notícia", avalia o editor.
Para Sarah Fernandes, também é importante um olhar mais humano para o campo. Ela aconselha que jornalistas que pretendem cobrir o meio ambiente estudem história do Brasil para entender a questão fundiária, os diversos ciclos produtivos e como eles impactaram populações do campo. "Vejo que, infelizmente, o jornalismo se volta muito pouco para o campo. Muitas vezes ele aparece na parte de economia, pautado pelo agronegócio".
Dica da semana
Além das ferramentas e sites indicados acima, o site Amazônia Legal em Dados pode ser um caminho interessante para percorrer em uma apuração sobre o tema.
#PraCegoVer: um dos recursos do Amazônia Legal em Dados é comparar o desmatamento acumulado em diferentes estados da região. Na tela, textos e gráficos comparam Rondônia e Amazonas.
A plataforma apresenta dados dos nove estados da Amazônia Legal. O site disponibiliza 113 indicadores relacionados aos temas de ciência e tecnologia, demografia, desenvolvimento social, educação, economia, infraestrutura, institucional, meio ambiente, saneamento, saúde e segurança. A ferramenta é uma iniciativa de Uma Concertação Pela Amazônia, desenvolvimento da Consultoria Macroplan e conta com apoio do Instituto Arapyaú.
E neste sábado, dia 13, a partir das 9h, tem o Open Data Day POA 2021. Entre os convidados estão Abraji, Brasil.io, Fiquem Sabendo, Transparência Brasil e Tesouro Nacional, todos mostrando seus recentes projetos de transparência e dados abertos, como o CruzaGrafos. A organização é da Afonte Jornalismo de Dados e da Open Knowledge Foundation. Você pode se inscrever por aqui: bit.ly/oddpoa2021
Ficou com alguma dúvida? Quer saber sobre os bastidores de uma determinada reportagem ou aprender mais sobre alguma ferramenta? Vem com a gente: cruzagrafos@abraji.org.br.
Para ler as edições passadas da Investigadora, clique aqui. Por hoje, é só. Até semana que vem!
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