#8 | O rastro da cloroquina
Uma newsletter sobre jornalismo investigativo baseada em dados do projeto CruzaGrafos e em investigações brasileiras
Olá! Bem-vindas e bem-vindos.
Meu nome é Eduardo Goulart de Andrade e esta é mais uma edição da Investigadora. Hoje, vamos falar sobre investigações relacionadas ao uso de cloroquina no tratamento à covid-19. A agência Repórter Brasil identificou que a maior fabricante de hidroxicloroquina do Brasil, a farmacêutica Apsen, recebeu R$ 20 milhões do BNDES no ano passado. Já a Agência Pública mapeou como o governo Bolsonaro enviou 2,8 milhões de comprimidos de cloroquina para todo o país. Na Dica da Semana, a newsletter mostra uma base de dados do Ministério da Saúde sobre distribuição de medicamentos usados na pandemia e traz exemplos de como levantar informações sobre tratamentos médicos.
Se esta é a sua primeira vez por aqui, sinta-se em casa. Esta é uma newsletter sobre jornalismo investigativo baseada em dados do projeto CruzaGrafos – parceria da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) e do Brasil.IO, com o apoio da Google News Initiative.
As bases de dados do projeto não têm avaliação de mérito. Indícios de condutas ilícitas devem ser checados com fontes e mais informações. Além disso, o fato de qualquer pessoa ser investigada não significa que ela seja culpada. Todos os dados devem ser checados, incluindo os políticos e empresas citados. Também é preciso ficar atento a pessoas e empresas homônimas.
Você pode ler mais sobre o projeto aqui. Preparamos um guia escrito, um vídeo tutorial com legendas em português, inglês e espanhol, além de uma web stories.
O CruzaGrafos conta ainda com um programa de treinamentos voltado para redações, grupos de freelancers, universidades e organizações do terceiro setor ligadas à educação e à transparência de dados. Na semana passada, fizemos o primeiro treinamento com jornalistas do Correio, na Bahia. E daqui a alguns dias teremos uma nova turma com o Globoesporte, no Rio de Janeiro.
O CruzaGrafos é aberto a todos os associados da Abraji. Para não associados, clique aqui. Quem quiser fazer parte da Abraji, pode ver os passos neste link. E aqui dá para apoiar o Brasil.IO.
Boa leitura!
Dinheiro público para um tratamento ineficaz
O repórter Diego Junqueira, da agência Repórter Brasil, tem acompanhado como o governo vem usando dinheiro público durante a pandemia. Ele já escreveu sobre gastos do Ministério da Saúde com propaganda favorável ao uso de cloroquina. Também reportou que o Laboratório Químico e Farmacêutico do Exército ampliou a produção do medicamento a partir de compras supostamente superfaturadas. E, há duas semanas, revelou que a maior fabricante de hidroxicloroquina do país conseguiu um empréstimo milionário do BNDES no ano passado.
Segundo esta última reportagem, a Apsen Farmacêutica assinou dois contratos com o banco estatal que somam R$ 153 milhões em 2020. "O valor é sete vezes maior do que o crédito liberado para a empresa nos 16 anos anteriores somados", detalhou o jornalista na matéria. Desse total, o BNDES já desembolsou R$ 20 milhões em março do ano passado.
No CruzaGrafos, vemos que a empresa Apsen Farmacêutica pertence a Renato Spallicci e a Renata Farias Spallicci.
#PraCegoVer: print da tela do CruzaGrafos mostra as conexões que envolvem a farmacêutica Apsen.
Para descobrir os empréstimos do BNDES a empresas, Junqueira acessou a Central de Downloads da instituição. Ele explica que para analisar os desembolsos do banco é preciso apenas ter noções básicas de editores de planilha, como Excel ou Google Sheets. "Quem souber usar as ‘tabelas dinâmicas’ desses programas, vai conseguir as respostas que procura."
Ainda segundo o jornalista, nessa área do site é possível encontrar a tabela "Desembolsos Mensais do Sistema BNDES". "Infelizmente não diz quais são as empresas favorecidas. Mas, com um pouco de insistência, o jornalista pode cruzar as informações dessa tabela com as da tabela 'Operações contratadas na forma direta e indireta não automática', para tentar descobrir as empresas favorecidas pelos desembolsos", indica Junqueira.
A planilha "Desembolsos do Sistema BNDES" também pode render muitas pautas. Ela traz informações sobre desembolsos mensais por setor econômico. "É possível saber aqui o financiamento mensal do BNDES por setor econômico desde 1995. Há várias formas de pesquisar os investimentos por setor, mas a melhor delas é observar os valores por subsetor CNAE [Classificação Nacional de Atividades Econômicas] agrupado. Isso vale para as tabelas anteriores também."
Uma outra área do site que vale a visita é a página de transparência, que permite a consulta a partir de termos de busca. Por fim, para quem quer investigar empréstimos do BNDES, é preciso estar atento aos tipos de operação do banco. Junqueira recomenda este guia, que traz explicações sobre os tipos de financiamento.
Para onde foi a cloroquina
No início deste mês, a Agência Pública detalhou como o Governo Federal e as Forças Armadas distribuíram 2,8 milhões de comprimidos de cloroquina em todo o território nacional. A matéria é assinada por Anna Beatriz dos Anjos, Bianca Muniz, Bruno Fonseca e Larissa Fernandes.
Para essa apuração, os jornalistas do veículo fizeram uma série de pedidos de Lei de Acesso à Informação, desde o ano passado para cá. "Também consultamos as respostas recebidas por outros solicitantes. A agência de dados Fiquem Sabendo tinha divulgado anteriormente algumas informações obtidas via LAI sobre a produção de medicamentos e solicitação dos mesmos pelos municípios; consultamos o protocolo e a resposta no e-SIC para complementar os nossos pedidos", escreveram por e-mail as repórteres Anna Beatriz dos Anjos e Bianca Muniz, além do editor Bruno Fonseca.
Com uma série de informações em mãos, a equipe utilizou códigos de programação para padronizar os dados. Eles usaram scripts em R para a conversão do formato dos documentos (de PDF para TXT, e depois para CSV). Também se valeram do OpenRefine para a padronização. E a infografia foi produzida com llustrator e Photoshop.
#PraCegoVer: infografia da Agência Pública detalha em um mapa do Brasil como as Forças Armadas distribuíram cloroquina em todas as regiões do país.
A equipe da Pública dá algumas dicas que podem aumentar as suas chances de ter êxito com as solicitações de LAI. "É importante que os pedidos sejam extremamente diretos e descrevam como se deseja obter a informação: qual o período do pedido; quais as descrições e detalhamentos a resposta deve conter e o que o órgão pode suprimir em caso de sigilo."
Além disso, uma estratégia interessante é fazer o mesmo pedido para diferentes setores. "No caso de fluxos que envolvam mais de um órgão – como a cloroquina, que envolve tanto os laboratórios das Forças Armadas quanto o Ministério da Saúde e secretarias estaduais e municipais. Nesse caso, por exemplo, o Exército respondeu com mais detalhamento que o Ministério da Saúde, que atrasou a resposta."
Dica da Semana
Os dados abertos do Ministério da Saúde também são um caminho para descobrir como vem ocorrendo a distribuição de cloroquina e oseltamivir no país, durante a pandemia. No repositório, é possível ver não apenas para onde foram os medicamentos, mas também a data e a quantidade de comprimidos e cápsulas que foram distribuídos.
Nesta análise de dados que fiz, vemos que a secretaria municipal da Saúde de Joinville foi a que mais recebeu cloroquina do Ministério da Saúde: 170 mil comprimidos – 14,55% do total enviado aos municípios. Já a secretaria estadual da Saúde de São Paulo lidera o ranking entre os estados, com 986 mil unidades (15,99%). E os indígenas Yanomami receberam pelo menos 39,5 mil comprimidos de cloroquina.
Em tempos de desinformação, é sempre bom ficar de olhos bem abertos às pesquisas científicas e buscar por especialistas que estudam sobre determinado tema. A National Library of Medicine, do National Institutes of Health dos Estados Unidos (NIH), mantém uma base de dados que reúne mais de 371 mil estudos produzidos em 219 países.
A plataforma, chamada ClinicalTrials, tem uma página de busca avançada onde é possível pesquisar sobre estudos relacionados ao uso de cloroquina. No campo "Condition or disease", preencha com Covid19. Em "Intervention/treatment", selecione Chloroquine. Em 17 de março, há 52 estudos relacionados aos termos pesquisados registrados na base de dados, sendo quatro deles no Brasil. E o melhor: dá para baixar a lista em um arquivo no formato CSV.
Ficou com alguma dúvida? Quer saber sobre os bastidores de uma determinada reportagem ou aprender mais sobre alguma ferramenta? Vem com a gente: cruzagrafos@abraji.org.br.
Para ler as edições passadas da Investigadora, clique aqui. Por hoje, é só. Até semana que vem!
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