#9 | LAI: um caso de amor e ódio
Uma newsletter sobre jornalismo investigativo baseada em dados do projeto CruzaGrafos e em investigações brasileiras
Olá! Bem-vindas e bem-vindos.
Meu nome é Eduardo Goulart de Andrade* e esta é mais uma edição da Investigadora. Hoje, falaremos sobre a Lei de Acesso à Informação. Os pedidos de LAI trazem diversas possibilidades de pauta. O Poder360, por exemplo, usou essa estratégia para descobrir quanto custou a exposição de roupas do presidente e da primeira-dama no Palácio do Planalto, num evento realizado em dezembro passado. E mesmo os problemas relacionados à LAI podem render matérias interessantes. O Matinal Jornalismo mostrou numa reportagem como a transparência de Porto Alegre apresenta várias falhas. Já a Dica da Semana é sobre bases de dados de LAI – que te ajudarão, inclusive, a melhorar seus pedidos.
Se esta é a sua primeira vez por aqui, sinta-se em casa. Esta é uma newsletter sobre jornalismo investigativo baseada em dados do projeto CruzaGrafos – parceria da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) e do Brasil.IO, com o apoio da Google News Initiative.
As bases de dados do projeto não têm avaliação de mérito. Indícios de condutas ilícitas devem ser checados com fontes e mais informações. Além disso, o fato de qualquer pessoa ser investigada não significa que ela seja culpada. Todos os dados devem ser checados, incluindo os políticos e empresas citados. Também é preciso ficar atento a pessoas e empresas homônimas.
Você pode ler mais sobre o projeto aqui. Preparamos um guia escrito, um vídeo tutorial com legendas em português, inglês e espanhol, além de uma web stories.
O CruzaGrafos conta ainda com um programa de treinamentos voltado para redações, grupos de freelancers, universidades e organizações do terceiro setor ligadas à educação e à transparência de dados. Já fizemos o treinamento com jornalistas do Correio, na Bahia. E, esta semana, estamos com uma turma do Globoesporte, do Rio de Janeiro.
O CruzaGrafos é aberto a todos os associados da Abraji. Para não associados, clique aqui. Quem quiser fazer parte da Abraji, pode ver os passos neste link. E aqui dá para apoiar o Brasil.IO.
Boa leitura!
LAI lovers
A inauguração da exposição das roupas usadas por Jair e Michelle Bolsonaro na posse presidencial custou R$ 9.285,06 para os cofres públicos. O jornalista Paulo Motoryn descobriu esse valor a partir de um pedido de Lei de Acesso à Informação. E, assim, publicou uma matéria no Poder360.
Em 24 de dezembro do ano passado, Motoryn fez uma pergunta simples e direta no canal de acesso à informação do executivo: "Gostaria de saber qual foi o custo que o governo federal teve que arcar com a exposição das roupas do presidente Jair Bolsonaro e da 1ª dama, Michelle Bolsonaro."
A resposta chegou em 14 de janeiro, detalhando os custos das duas vitrines e dos dois manequins usados na exposição. A lei 12.527, de 2011, determina que o poder público tem 20 dias para responder os pedidos de LAI – prorrogáveis por mais 10 dias, mediante justificativa.
Quando recebeu a resposta, Motoryn conta que quase desistiu da pauta. "Considerei o valor gasto muito baixo. Instigado pelo meu editor, no entanto, converti o valor ao custo de seringas para vacinação contra a covid-19. Como a escassez do equipamento era manchete dos jornais naquela semana, a reportagem teve grande repercussão e foi elogiada por diversos jornalistas." Segundo a matéria, com o dinheiro usado na exposição daria para comprar mais de 50 mil seringas.
Em relação ao terno usado na posse do presidente, a repórter Juliana Dal Piva escreveu um perfil do alfaiate Santino Gonçalves, de Duque de Caxias, em 2018. Cerca de sete meses depois dessa publicação, a coluna de Guilherme Amado noticiou que Bolsonaro ainda recebia o alfaiate com frequência no Palácio do Planalto. No CruzaGrafos, vemos que Gonçalves é sócio de três alfaiatarias.
#PraCegoVer: print da tela do CruzaGrafos mostra que Santino Gonçalves Filho é sócio de três empresas: Santibespoke Alfaiataria Ltda, Santi Alfaiataria Ltda e Don Santinno Tailor Alfaiataria Ltda.
O colunista do UOL Rubens Valente repercutiu a exposição dos trajes do casal Bolsonaro sob um outro ângulo. Segundo o jornalista, a TV Brasil gastou R$ 25 mil reais para transmitir a cerimônia dos manequins.
Essa informação poderia ter sido obtida via LAI, já que a TV Brasil é uma emissora pública vinculada à Empresa Brasil de Comunicação (EBC). Mas Valente conseguiu os dados por meio de um documento que recebeu de uma fonte que não pode ser identificada.
Valente afirma que não tem uma rotina estabelecida para fazer pedidos de acesso à informação. "Mas todo dia reflito sobre que tipo de indagação posso fazer. Às vezes encontro uma ideia e faço, às vezes não. Por isso, às vezes passo dias sem recorrer à LAI. Também surgem pautas que demandam o recurso da LAI."
Já Motoryn explica que costuma fazer "disparos em massa". Isso porque nem sempre as respostas rendem pauta. E também é comum ter solicitações negadas. "São vários fatores que fazem a conversão de pedidos via LAI em reportagens não ser muito alta. Por isso, tento compensar fazendo pedidos 'no atacado'. Em dezembro, cheguei a fazer 25 pedidos de acesso à informação em um mesmo dia."
No início de janeiro, o jornalista do Poder360 pediu acesso à lista de visitantes da sede do Ministério da Saúde em 2020. Com a resposta, descobriu que o marqueteiro Gilberto Musto trabalhou sem contrato na pasta do então ministro Eduardo Pazuello. O achado rendeu não apenas a publicação de uma matéria, mas também motivou pedido de investigação no Ministério Público Federal sobre a atuação dos "marqueteiros informais" que atuavam na Saúde.
LAIer
O mau funcionamento da LAI também pode (e deve) ser matéria-prima da imprensa. Por exemplo, quando o poder público desrespeita o que determina a legislação. Os jornalistas Katia Brembatti e Samuel Lima mostraram, a partir de um levantamento publicado no Estado de S. Paulo, que dois terços das prefeituras paulistas descumpriram a lei de acesso à informação. Brembatti também é professora da Universidade Positivo, no Paraná. E para fazer esse mapeamento, a dupla contou com a colaboração dos estudantes Beatriz Ponte, Brayan Valêncio, Giovana Lucas, Jenifer Ribeiro, Maria Stefani Aguiar e Vinícius Bonato.
E quando o poder público responde a um pedido de LAI, mas apresenta informações erradas? Difícil, né? Foi justamente esse cenário que os jornalistas Naira Hofmeister e Pedro Papini enfrentaram. Em matéria publicada no Matinal Jornalismo, eles mostraram esse e outros problemas envolvendo a transparência da prefeitura de Porto Alegre.
Os jornalistas do Matinal pediram a lista de devedores de tributos do município. E só descobriram que haviam recebido dados errados quando solicitaram um comentário do secretário da Fazenda. Em nota, a pasta respondeu que as informações da LAI estavam incorretas por causa de "uma falha humana". No entanto, o erro só foi corrigido pelo canal da assessoria de imprensa, e não pelo e-SIC.
Hofmeister e Papini provaram que esse não era um caso isolado em Porto Alegre. Em dezembro passado, eles já tinham recebido informações incorretas em uma resposta de LAI do Departamento Municipal de Água e Esgotos da capital gaúcha. E, de novo, foi por meio da assessoria de imprensa que os dados foram corrigidos.
Chefe de reportagem do Matinal e repórter freelancer, Hofmeister destaca que só não publicaram informações oficiais incorretas graças à (boa) prática de sempre ouvir o outro lado. Mas nem todo mundo tem acesso a esse tipo de checagem. No e-SIC de Porto Alegre, é possível consultar solicitações de LAI de outras pessoas, embora essa base de dados não traga todos os pedidos e respostas.
"Se publicarem nossos pedidos na base de perguntas e respostas, o cidadão que consultá-la vai ter um dado errado. E ele não vai saber que aquele dado está errado, porque ele não tem um canal da assessoria de imprensa. Então, acho que isso é uma coisa muito grave."
#PraCegoVer: captura de tela do site de pedidos e respostas de LAI da prefeitura de Porto Alegre. Na imagem, lemos que é possível pesquisar no repositório por data, órgão, tipo de resposta e palavras-chave.
Hofmeister dá algumas dicas práticas sobre pedidos de acesso à informação:
Estabeleça uma meta para fazer um determinado número mínimo de pedidos de LAI por mês;
Escreva seus pedidos de forma clara e especifique quais informações quer receber;
Leia seu pedido com os olhos de um servidor que está "procurando pelo em ovo" para negar acesso à informação. Em seguida, elimine ou altere os trechos que podem servir de argumento à negativa;
Recebeu uma resposta que contraria o que determina a LAI? Deixe a raiva de lado e escreva o recurso de forma gentil e objetiva.
Dica da Semana
Quer aumentar suas chances de ter êxito com a LAI? Busque por solicitações semelhantes em bases de dados. Muitas vezes, as informações desejadas já estão públicas. Além disso, você pode se inspirar em pedidos que tiveram sucesso.
O executivo federal mantém este repositório de perguntas e respostas. Procure saber se seu estado ou município também disponibiliza esse recurso.
A Controladoria-Geral da União (CGU) e a Comissão Mista de Reavaliação de Informações (CMRI) têm um site com os documentos de recursos que chegam a esses órgãos. Veja se há precedentes relacionados ao seu pedido, principalmente se teve sua solicitação negada em primeira instância.
A Abraji e a Transparência Brasil são responsáveis pelo projeto Achados e Pedidos. Nesse repositório, você tem acesso a milhares de solicitações e respostas de LAI. Os dados vêm de diferentes níveis federativos (municipal, estadual e federal), assim como de todas as esferas de poder (executivo, legislativo e judiciário).
A agência Fiquem Sabendo tem a newsletter Don't LAI to me. Assine a publicação para receber, quinzenalmente, bases de dados e tutoriais sobre como usar a lei de acesso à informação.
A Abraji está pesquisando sobre o uso da LAI em redações. Para participar, basta responder a este questionário até 15 de abril. As perguntas são voltadas tanto para os jornalistas que utilizam o mecanismo de transparência com frequência, quanto para quem nunca fez um pedido de acesso à informação.
*Eduardo Goulart de Andrade trabalha profissionalmente com jornalismo há 14 anos. Foi repórter da TV Brasil e já publicou em diversos veículos, como The Intercept Brasil e InfoAmazonia. Desde 2018, tem focado suas reportagens na interseção entre jornalismo investigativo, jornalismo de dados e técnicas de OSINT.
Ficou com alguma dúvida? Quer saber sobre os bastidores de uma determinada reportagem ou aprender mais sobre alguma ferramenta? Vem com a gente: cruzagrafos@abraji.org.br.
Para ler as edições passadas da Investigadora, clique aqui. Por hoje, é só. Até semana que vem!
O que você achou desta edição da Investigadora?
>> Divulgue a Investigadora: encaminhe a newsletter para seus amigos e compartilhe os conteúdos nas suas redes sociais.